terça-feira, maio 03, 2011

Democratizar x Roubar


Reproduzo aqui com autorização do (brilhante) autor de livros Maurício Veneza, esse texto esclarecedor no tocante a pirataria que corre solta sobre direitos autorais, um verdadeiro puxão de orelha na turma "sem noção" que simplesmente defende o fim do repasse de DAs aos criadores.
A condenação do Pirate Bay tem gerado polêmica, com uma expressiva maioria contrária à decisão judicial. Parecem achar que os rapazes são uma espécie de Robin Hood, roubando dos ricos para dar aos pobres. E os que são a favor, como Paul McCartney, são xingados de todos os nomes feios existentes ou a inventar. Pessoalmente, eu gostaria que, antes que as pessoas disparassem emocionalmente sua enxurrada de impropérios, dessem uma paradinha para reflexão.
A idéia do chamado direito democrático de acesso à cultura é extremamente simpática (eu também sou a favor!), mas tem servido a toda sorte de pilantragens. A alegação é de que, com a chamada pirataria, se estaria redistribuindo os bens culturais de modo mais amplo e justo, prejudicando apenas os barões da indústria da cultura, às vezes chamados genericamente de "altos executivos". Balela! Quem sai prejudicado são os criadores, músicos, escritores, artistas gráficos e outros, que também têm suas brigas com as empresas. Executivo não é criador. Sai de uma gravadora e vai para uma empresa de telefonia. Cujos executivos, aliás, vão muito bem, também graças aos acessos à internet, que não são de graça... Aliás, sempre é bom lembrar, não existe nada de graça. Se você não paga, alguém está pagando. É como na história das cópias Xerox de livros, em que se pretende considerar que a cópia para uso pessoal e sem finalidade comercial não constitui crime de violação de direitos autorais. É no “sem finalidade comercial” (ou “sem intuito de lucro” ou “sem ganho financeiro”) que a coisa pega: a loja copiadora faz as cópias de graça? E a fábrica das máquinas copiadoras, o fabricante do toner, do papel...? Cá entre nós, até quem usa a cópia tem intenção de ganho financeiro. Não imediato, é verdade. Copia para estudar, estuda, se forma, arranja emprego... Vai trabalhar de graça? Não vai.
Lembrando ainda: nenhuma das pessoas que proclamam a distribuição gratuita dos bens culturais (produzidos por outros) disponibiliza gratuitamente sua principal atividade. Exemplificando: um professor universitário que escreve um livro, mas vive das suas aulas, pode se dar ao luxo de ceder o seu livro na internet. Mas jamais cederá a totalidade das suas aulas, sem que tenha recebido algo por elas, porque assim não terá como sobreviver. No entanto, o acesso democrático à educação também é um direito do cidadão. Ou não é? Ditar regras para os outros é fácil, no dos outros sempre é refresco. Mais um exemplo: se eu, que não vivo de música, compuser uma música, poderei por vaidade ou qualquer outro motivo, liberar minha criação na internet. Afinal, não dependo dela pra viver. Mas se eu passar a exigir que um músico profissional faça a mesma coisa, não será só estupidez minha, será canalhice mesmo.
É claro que todo cidadão tem o democrático direito ao acesso aos bens culturais. Tem também o direito à saúde. Será que, por isto, alguém vai apregoar que médico tem que trabalhar sem receber? Mas quando se trata dos criadores de bens culturais...
Os argumentos são bem conhecidos, até as frases são repetidas: “banda ganha dinheiro é com show, não com gravação”. Bacana. E se o compositor da banda não se apresenta no palco? Fica a zero? E os artistas que não fazem espetáculo, escritores, designers, fotógrafos, vão viver de que, de patrocínio?
“A disponibilização pela internet ajuda a divulgação”. Divulga para outros que também vão baixar sem pagar. Isto interessa a quem? A quem tem a vaidade de querer ser “famoso”? Amiga nossa tem um livro de muito sucesso. Mas não vende. Todo mundo faz download sem pagar. Elogiam, dizem maravilhas. E ela paga suas contas com o quê, elogios dos fãs?
Existem, não se pode negar, astros do livro ou da música que são a favor da disponibilização da obra alheia. Não sei se fazem o mesmo com sua própria obra. Aliás, pensando bem... Se eles acham que o sistema de direitos autorais é antidemocrático e ilegítimo, não será ilegítimo também tudo que eles ganharam com este sistema? E o que se faz com ganhos ilegítimos? A gente devolve, não é? Fica então a sugestão aos astros defensores da disponibilização da obra dos outros: doem o que já ganharam e recomecem do zero, com as nova regras. Aí, sim, vou acreditar na sua sinceridade.
E vamos aproveitar para perguntar a quem acha que existe alguma coisa de graça: dar dinheiro pra escritor, compositor, fotógrafo não pode, mas pra provedor, site, fabricante de mídia, de equipamento, etc, pode? Do jeito que está, daqui a pouco vão querer alegar que assalto é forma legítima de redistribuição de renda...


MAURÍCIO VENEZA 
ILUSTRADOR E ESCRITOR

Nasci num dia de primavera, cento e um anos depois de Robert Louis Stevenson. Deu-se o importantíssimo evento (para mim) na mui formosa cidade de Niterói, que já foi capital do Rio de Janeiro e hoje é mais conhecida por ter um museu parecido com um disco-voador. Desenho desde criança, o que não é vantagem, já que todo mundo desenha quando é criança. Minhas imagens apareceram em histórias em quadrinhos, jornais, revistas, anúncios, cartazes, quadros-negros de escola, guardanapos de bar e mais de setenta livros infantis e juvenis. Escrevi roteiros para quadrinhos, recados para porta de geladeira, contos que não mostro para ninguém e cerca de trinta livros. Atualmente ocupo a vice-presidência da AEI-LIJ.

 O Sapo e o Pássaro, texto de Ieda de Oliveira - Editora Larousse - 2008
Chico Pena Azul, texto e ilustrações de Maurício Veneza - Formato Editorial - em produção

Nenhum comentário: