quarta-feira, janeiro 10, 2007

Icommons

A iCommons, organização mundial que cuida da geração de projetos e da organização da comunidade ligada ao uso de licenças creative commons (uma alternativa ao direito autoral atual), tem novo presidente. O brasileiro Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS-FGV), foi nomeado “board chairman” da instituição em 30 de dezembro de 2006, em Berlim. Lemos agora será o responsável pela gestão de dezenas de iniciativas feitas ao redor do mundo com o objetivo de aumentar o acesso ao conhecimento. Entre elas, softwares, ferramentas de comunicação e ações culturais de diferentes origens e formas. Para o professor da FGV, sua nomeação “é muito importante, pois é o reconhecimento do papel do Brasil no desenvolvimento de novidades”. Um de seus maiores desafios será ampliar a governança da iCommons, ampliando seu alcance assim como o número de membros. “Outro desafio é dar visibilidade a quem faz parte da rede e fortalecê-la”, diz. Sobre o Brasil, Lemos garante que o país está muito bem no que se refere à inovação, apesar de ainda serem necessárias mudanças tanto na legislação relativa a propriedade intelectual quanto no estabelecimento de políticas públicas de inclusão digital sustentáveis. Segundo ele, a lei de direitos autorais brasileira é uma das mais restritivas do mundo e há poucos pontos públicos de acesso à internet, um dos motores do desenvolvimento de novas tecnologias. Por outro lado, elogia a criação de "lan houses" [lojas de jogos via internet, providas de diversos computadores ligados em rede], principalmente em áreas periféricas das grandes cidades. “É um tipo de energia fantástica”, acredita. O uso desses espaços para jogos, ao contrário do senso comum, é considerado positivo por Lemos. Citando o japonês Joi Ito - a quem substitui na presidência da iCommons e que é criador, entre outros sites, do portal de compartilhamento de fotografias Flickr - ele diz que os games são o primeiro passo para o desenvolvimento de habilidades em rede. “Os games forçam uma interação social muito grande”, lembra, para depois afirmar que a partir daí qualquer garoto pode se familiarizar com a linguagem da internet. Nesta entrevista, o novo presidente da iCommons explica como foi indicado e comenta os obstáculos para o Brasil se envolver ainda mais com a sociedade do conhecimento. Rets - Você foi nomeado presidente da iCommons. Qual é a importância de ter um brasileiro no mais alto posto dessa organização? Ronaldo Lemos - É algo muito importante, um reconhecimento do papel do Brasil nessa área. Sou o único brasileiro no “board” da iCommons e fui indicado, durante sua última reunião, presidente. É uma honra, até porque estou substituindo Joi Ito, uma pessoa genial, criador do [site de compartilhamento de fotos] Flickr e do Technorati [site que contabiliza os acessos mundiais a blogs e os organiza]. Além disso, estou em companhia de Jimmy Walles, fundador da Wikipedia. Rets - Como se dá o processo de indicação? Ronaldo Lemos - O novo presidente é indicado pelos membros da direção, que votam em quem acharem melhor. Não há candidaturas. Rets - Como funciona a iCommons? Ronaldo Lemos - É bom fazer uma distinção entre a Creative Commons e a iCommons. A Creative Commons cuida das licenças de uso de obras autorais e sua função é zelar por seu bom funcionamento e atualização. Já a iCommons cuida da comunidade que produz bens licenciados em Creative Commons e da geração e incubação de projetos. Ou seja, a iCommons não trabalha apenas com licenças Creative Commons, mas também com o desenvolvimento de mídias, softwares e bens culturais em geral. Rets - Dentro dessa perspectiva, qual é o maior desafio da sua presidência? Ronaldo Lemos - Ampliar a governança da iCommons. No próximo encontro, o ISummit [a última edição foi realizada no ano passado no Rio de Janeiro], que será realizado na Croácia, o objetivo é ampliar a plataforma da organização para que as pessoas se manifestem globalmente. A iCommons é uma instituição recente [criada em 2006] e por isso precisamos continuar seu trabalho para dar mais visibilidade e fortalecer as iniciativas que vierem a surgir. Rets - De que forma isso pode ser feito? Ronaldo Lemos - A iCommons está presente em 40 países, e por isso precisamos criar uma plataforma global, um site, para que todos possam se manifestar e interagir. Dentro de um tempo, destaques surgirão naturalmente, assim como o processo de governança. Rets - O Brasil chama a atenção nesse universo de alguma forma? Ronaldo Lemos - Chama, mas não é o único. Temos uma visão otimista em relação ao Brasil, mas é preciso reformar a lei de propriedade intelectual, uma das mais restritivas do mundo para o usuário doméstico. É algo com que a iCommons se preocupa, mas não tem como agir. Essa restrição em países em desenvolvimento é comum, aliás. Por isso a iCommons busca também colaborar para o desenvolvimento. Rets - Em que a lei brasileira precisa ser alterada? Ronaldo Lemos - Especificamente o capítulo que trata de uso doméstico de obras. Precisamos de algo que salve o usuário doméstico de processos que gravadoras e editoras estão começando. O usuário doméstico é o motor das inovações que vemos surgir diariamente. Precisamos de uma lei que contemple o direito do autor, mas que seja equilibrada a ponto de não tornar o usuário um criminoso. Rets - No fim do ano passado, algumas gravadoras anunciaram que estavam começando a processar quem fazia download de músicas sem pagar. Você acredita que esses processos irão adiante e serão seguidos por outros? Ronaldo Lemos - Sim, inclusive eles devem aumentar. Acredito, porém, que seja um caminho errado. Esse é um momento de experimentar novos modelos de negócios, sem DRMs [digital management rights, os direitos autorais que não permitem reusos], com mais aberturas. Rets - Quais são os focos de maior inovação? Ronaldo Lemos - EUA e Japão, onde a rede de animês [desenhos animados japoneses] é gigantesca e da qual pouco sabemos. O legal é que cada vez mais a inovação vem da periferia. É algo já bastante tangível. Nem preciso falar do tecnobrega aqui no Brasil. No Japão, a rede de fãs de animês é fantástica. Seus integrantes já produzem desenhos de forma colaborativa e sem intermediação da indústria. Esse é só um dos sintomas do desenvolvimento desse tipo de iniciativa. No Brasil, outro fenômeno interessante é o surgimento de diversas lan houses em bairros pobres. Elas são uma forma de inclusão digital feita com empreendedorismo e, ainda por cima, auto-sustentáveis. Rets - Apesar da tão propagandeada criatividade do brasileiro, ainda faltam computadores para que novas habilidades sejam desenvolvidas. Você citou a instalação de lan houses nas periferias como uma boa novidade, mas e em relação às políticas públicas de inclusão digital? Como você as avalia? Ronaldo Lemos - Acredito que as políticas públicas devam ser auto-sustentáveis. Não adianta criarmos paliativos, que não se sustentem a longo prazo. As políticas devem ser pensadas como fomento ao empreendedorismo. Há um bairro no subúrbio de Fortaleza onde existe uma rua cheia de lan houses. Quando fui lá, perguntei se não era concorrência demais, mas me disseram que se houvesse mais prédios onde instalar novos computadores, eles o fariam, pois havia gente para usá-los. As lan houses têm os jogos como chamariz, e eles atraem mais gente para os computadores. Os jogos são uma força de interação social, já que muitos são jogados em rede, fomentam até mesmo uma interação global. Uma criança pode começar pelos jogos, depois passar para o Orkut [site de relacionamento], lá conhecer novas comunidades, se interessar por produção de conteúdo, aprender uma linguagem de internet e começar a produzir algo que ache interessante. Não há por que ter preconceito contra jogos. Rets - Mas o Brasil tem condições para levar adiante essa produção em potencial? Ronaldo Lemos - Claro. O Joi Ito, por exemplo, é líder de uma guilda [grupo de pessoas com mesmo interesse dentro de um jogo] com 6 mil pessoas no [jogo online] World of Warcrafts. Lá faz diversos contatos. Ele acha que ainda estamos na infância da exploração da plataforma de jogos para o desenvolvimento. Acredito que no futuro os jogos sejam utilizados tanto em treinamento de empregados de empresas, quanto na medicina. Enfim, os usos são vários. E o brasileiro é apaixonado por jogos. Quando a máquina mais avançada no mercado era o MSX, o Brasil era um dos líderes da produção mundial de jogos. Fazíamos jogos do mesmo nível que norte-americanos e japoneses, competíamos com eles. Isso, porém, se perdeu, apesar do incrível potencial. Rets - Mas há condições materiais para alguém desenvolver jogos no Brasil? Incentivos, máquinas, dinheiro....? Ronaldo Lemos - Aí caímos em fatores macroeconômicos. Há gente que se interessa em desenvolver esse tipo de tecnologia, mas há uma grande fuga de cérebros. A última edição da [revista norte-americana especializada em tecnologia] Wired tem uma matéria boa sobre fluxo de pessoas especializadas em tecnologia. A única seta que sai do Brasil aponta para o Japão. Por outro lado, o exemplo dos Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura, é fantástico. Os vídeos que eles produzem são ótimos e são feitos de forma colaborativa. Ali se comprova o potencial que esse tipo de ação tem. Rets - O número de conteúdos licenciados sob Creative Commons ao redor do mundo tem aumentado. Esse crescimento tende a ser ainda maior? Ronaldo Lemos - Até agora a Creative Commons foi bastante utilizada por usuários individuais. A tendência é que comece a ser usado em modelos de negócios. Um exemplo é o Flickr, que oferece essa possibilidade aos usuários. A adoção de uma licença Creative Commons é uma boa solução para resolver alguns problemas fundamentais de negócios. Rets - Que tipo de problema? Ronaldo Lemos - A gestão da propriedade intelectual. Há um custo de licenciamento muito caro atualmente. Não é mais viável adotá-lo. Um de nossos projetos é oferecer links para que sejam usados comercialmente, tudo online. Isso resolveria um problema de custo muito grande. Marcelo Medeiros

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