sábado, fevereiro 13, 2016

A arte da mimese...

O cinema fingidor, finge tão completamente... 

Retrospectiva exibe no sábado a obra de onde tirou seu nome e que foi último longa finalizado por Orson Welles em vida






Fazer arte é criar. E criar é uma forma de mentir. Inventar algo que não existe e dar sentido a isso. A arte é, assim, uma mentira que nos permite enxergar e sentir coisas que a verdade não comporta. É isso que Orson Welles investigou no último longa que finalizou em vida, “Verdades e Mentiras”.
Misto de documentário e ficção, o longa questiona o que torna uma obra de arte verdadeira ou falsa: o ato de sua criação, ou a forma como é recebida e as emoções que desperta em seu público. Em síntese, onde está a verdade em algo que é, por definição, representação, mímese, uma cópia infiel da realidade?
E faz isso por meio da história de Elmyr de Hory, um dos maiores falsificadores de obras de arte do século XX; e de Clifford Irving, seu biógrafo que, posteriormente, também foi desmascarado por vender uma biografia falsa do bilionário Howard Hughes.

Brincando com a obsessão por realidade da produção dos anos 1970, Welles utiliza a linguagem do Cinema Verité, da câmera na mão às locações reais. Mas ao aparecer em cena narrando a obra como um ilusionista, e afirmando repetidas vezes que tudo que é dito e mostrado no filme é a mais pura verdade, ele deflagra isso ao desmascarar a figura do diretor, esse ser que cria subterfúgios para iludir o público e fazê-lo acreditar que aquela sequência de 24 fotos por segundo está mesmo em movimento – é “real”.
É por isso que a montagem é tão fundamental no filme. Ágil, por vezes desorientadora, é ela que impede o público de questionar se o que está sendo dito ali é mesmo verdade, ou mera encenação. E paradoxalmente, nesse jogo de manipulação, “Verdades e Mentiras” revela o cinema como a maior de todas as mentiras.
Porque, assim como em “Cidadão Kane”, o que interessa a Welles é como uma série de meias-verdades, ou inverdades, justapostas apropriadamente, pode oferecer algum sentido, alguma veracidade, ao final. Ele sabe que nem a mentira, nem a verdade, estão lá fora – elas estão dentro de quem as cria e as recebe.


Autopsicografia 

                                    
O poeta é um fingidor. 
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente. 

E os que lêem o que escreve, 
Na dor lida sentem bem, 
Não as duas que ele teve, 
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda 
Gira, a entreter a razão, 
Esse comboio de corda 
Que se chama coração.


Fernando Pessoa


Legião Urbana
  

Sexo verbal
Não faz meu estilo
Palavras são erros
E os erros são seus

Não quero lembrar
Que eu erro também
Um dia pretendo
Tentar descobrir
Porque é mais forte
Quem sabe mentir
Não quero lembrar
Que eu minto também

Eu sei, eu sei

Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone
Pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas

A noite acabou
Talvez tenhamos
Que fugir sem você
Mas não, não vá agora
Quero honras e promessas
Lembranças e histórias

Somos pássaro novo
Longe do ninho
Eu sei, eu sei



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