quinta-feira, dezembro 29, 2005

Um analfabeto criou a primeira grande biblioteca europeia...


Paradoxos

Eduardo Galeano Rebelion.org 20 de outubro de 2002
Tradução Imediata

A metade dos brasileiros é pobre ou muito pobre,
porém o país de Lula é o segundo mercado mundial
das canetas Montblanc e o nono comprador
de carros Ferrari, e as lojas Armani de São Paulo
vendem mais que as de Nova York.


Pinochet, o verdugo de Allende, rendia homenagem
à sua vítima cada vez que falava do "milagre chileno".
Ele nunca o confessou, tampouco o disseram
os governantes democráticos que vieram depois,
quando o "milagre" se converteu em "modelo":
o que seria do Chile se o cobre não fosse chileno,
a viga-mestra da economia, que Allende nacionalizou
e que nunca foi privatizado?


Foi na América onde nasceram, e não na Índia,
os nossos índios. Também o peru e o milho
nasceram na América, e não na Turquia,
porém a língua inglesa chama de ‘turkey’ o peru
e a língua italiana chama de ‘granturco’ o milho.


O Banco Mundial elogia a privatização da
saúde pública na Zâmbia: "É um modelo para a África.
Já não há filas nos hospitais". O diário
The Zambian Post completa a idéia:
"Já não há mais filas nos hospitais,
porque as pessoas morrem em casa".


Há quatro anos, o jornalista Richard Swift
chegou aos campos do oeste de Gana,
onde se produz cacau barato para a Suíça.
Na mochila, o jornalista levava umas barras de chocolate.
Os cultivadores de cacau nunca tinham
experimentado o chocolate. Ficaram encantados.


Os países ricos, que subsidiam sua agricultura
a um ritmo de um bilhão de dólares por dia,
proibem os subsídios à agricultura nos países pobres.
Colheita recorde nas margens do rio Mississippi:
o algodão estadunidense inunda o mercado mundial
e derruba o preço. Colheira recorde no rio Níger:
o algodão africano paga tão pouco
que nem vale a pena colhê-lo.


As vacas do norte ganham o dobro do
que os camponeses do sul. Os subsídios
que recebe cada vaca na Europa e nos
Estados Unidos são o dobro da quantidade
de dinheiro que ganha, na média,
por um ano inteiro de trabalho,
cada agropecuarista dos países pobres.


Os produtores do sul acodem, desunidos,
o mercado mundial. Os compradores
do norte impõem preços de monopólio.
Desde que, em 1989, morreu a
Organização Internacional do Café,
e acabou o sistema de quotas de produção,
o preço do café anda rastejando.
Nesses últimos tempos, pior do que nunca:
na América Central, quem semeia o café, colhe a fome.
Porém, não foi rebaixado, nem um pouquinho,
que eu saiba, o que se paga para bebê-lo.


Carlos Magno, criador da primeira grande biblioteca da Europa, era analfabeto.


Joshua Slocum, o primeiro homem que
deu a volta ao mundo navegando solitário, não sabia nadar.

Exitem no mundo tantos famintos quanto gordos.
Os famintos comem lixo nas lixeiras;
os gordos comem lixo no McDonald’s.


O progresso infla. Rarotonga é a
mais próspera das ilhas Cook, no Pacífico sul,
com assustadores índices de crescimento econômico.
Porém o mais assustador é o crescimento
da obesidade entre seus homens jovens.
40 anos atrás, 11 de cada 100 eram gordos.
Hoje, são gordos todos.


Desde que a China se abriu para essa coisa
que chamam de "economia de mercado",
o menu tradicional de arroz com verduras
foi velozmente substituído por hambúrgueres.
O governo chinês não teve outro remédio que
declarar a guerra contra a obesidade,
convertida em epidemia nacional.
A campanha de propaganda difunde
o exemplo do jovem Lian Shun,
que emagreceu 115 quilos no ano passado.


A frase mais famosa atribuída a Don Quixote
("Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos")
não aparece na novela de Cervantes;
e Humphrey Bogart não diz a frase
mais atribuída ao filme Casablanca (Play it again, Sam).


Ao contrário do que se crê, Ali Babá
não era o chefe dos 40 ladrões,
mas seu inimigo; e Frankestein
não era o monstro, mas seu involuntário inventor.


À primeira vista, parece incompreensível,
e à segunda vista, também: onde mais
progride o progresso, mais horas
as pessoas trabalham. A enfermidade por
excesso de trabalho conduz à morte.
Em japonês, chama-se karoshi.
Agora, os japoneses estão incorporando
outra palavra ao dicionário da civilização tecnológica:
karojsatsu é o nome dos suicídios por hiper-atividade,
cada vez mais frequentes.


Em maio de 1998, a França reduziu a
semana de trabalho de 39 para 35 horas.
Essa lei não só resultou eficaz contra
a desocupação, como também deu um
exemplo de rara sanidade, neste mundo
que perdeu um parafuso, ou vários,
ou todos: para que servem as máquinas,
se não reduzem o tempo humano de trabalho?
Porém os socialistas perderam as eleições
e a França retornou à anormal normalidade
de nosso tempo. Já se está evaporando
a lei que tinha sido ditada pelo sentido comum.


A tecnologia produz melancias quadradas,
frangos sem penas e mão-de-obra sem
carne nem osso. Em certo número de
hospitais dos Estados Unidos, os robôs
cumprem as tarefas de enfermaria.
Segundo o diário The Washington Post,
os robôs trabalham 24 horas por dia, porém,
não podem tomar decisões, porque
carecem de sentido comum: um involuntário
retrato do operário exemplar no mundo que vem.


Segundo os evangelhos, Criso nasceu quando
Herodes era rei. Como Herodes morreu
quatro anos antes da era cristã, Cristo nasceu
pelo menos quatro anos antes de Cristo.


Com trovões de guerra se celebra, em muitos
países, a Noite Feliz. Noite de paz,
noite de amor: os morteiros enlouquecem
os cachorros e deixam surdos as mulheres
e os homens de boa vontade.


A cruz suástica, que os nazistas identificaram
com a guerra e a morte, tinha sido símbolo de vida
na Mesopotâmia, na Índia, e na América.


Quando George W. Bush propôs abater
as florestas para acabar com os incêndios
florestais, não foi compreendido. O presidente
parecia mais incoerente do que de costume.
Porém ele estava sendo consequente com suas idéias.
São seus santos remédios: para acabar
com a dor de cabeça, deve ser decapitado
o sofredor; para salvar o povo do Iraque,
vamos bombardeá-lo até fazer dele um purê.


O mundo é um grande paradoxo que
gira no universo. Neste passo, daqui a
pouco os proprietários do planeta proibirão
a fome e a sede, para que não faltem nem pão nem água.

Paradoxos... by Eduardo Galeano

domingo, dezembro 18, 2005

Tevê digital

Atração: o ministro Hélio Costa (acima) durante apresentação do Torcida virtual, no qual o telespectador escolhe em qual arquibancada vai se sentar e ainda pode ouvir a gritaria dos amigos distantes

Cenas do próximo capítulo
Em breve no seu televisor, o simulador de estádio
e um programa que diagnostica a depressão
Darlene Menconi

Assistir à final de um jogo de futebol pela tevê
não tem a mesma graça que ir a um estádio.
Ainda mais para quem costuma ver seu time
na companhia de amigos barulhentos.
O paraibano Guido Lemos sabe disso.
Tanto é que passou as últimas três semanas
sem dormir nem comer direito para finalizar
os detalhes do Torcida virtual, um programa
de televisão criado para demonstrar que na
tevê digital tudo pode ser diferente.

Desenvolvido pela equipe que Lemos coordena
na Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
o protótipo simula um estádio de futebol.
Só que é o próprio telespectador quem escolhe
o ângulo de visão e o som da torcida que deseja ouvir.
Com o controle remoto nas mãos, ele seleciona a
cadeira onde vai se sentar, se na arquibancada
do Flamengo ou na do Fluminense, por exemplo.

A grande novidade, porém, é um microfone
instalado no terminal de acesso – aparelho parecido
com o decodificador de tevê a cabo, que
faz a transição da tevê analógica para a digital.
Basta escolher a cadeira vizinha à de um amigo
para ouvir pelo alto-falante da tevê tudo
o que ele falar durante o jogo, mesmo que
cada um esteja em uma cidade diferente.
“É como ir para o campo com um rádio de pilha”,
compara Lemos. Programas como o Torcida virtual,
em que o telespectador tem maior interferência
na programação, serão testados durante
os jogos da Copa do Mundo e os desfiles de Carnaval.

Enquete: com o controle remoto nas mãos, será possível votar sem sair de casa

Assim como ocorre na internet,
a experiência de ver tevê tende a
ficar muito menos passiva. Na
prática, a transmissão digital vai
além da imagem e do som com qualidade
superior à de um DVD. Para demonstrar
o potencial do mundo virtual, 1.300 cientistas
de 22 consórcios de pesquisa formados
por 79 universidades criaram protótipos que
vão de um museu virtual, em que o telespectador
visita a sala de exibição como se fosse um
videogame, até programas de votação que
tanto poderiam servir para eliminar um
concorrente do Big Brother quanto para
aprovar ou não um referendo como o das armas.

Para exibir suas invenções ao ministro
das Comunicações, Hélio Costa, os cientistas
brasileiros reuniram uma dezena de protótipos.
Mostraram o Jangada, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que
transforma a tevê em um computador para
navegar na internet e enviar e-mails sem
sair do sofá. Ou ainda o Viva mais!, um programa
de auditório feito pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) para
diagnosticar pessoas com depressão a partir
de cinco perguntas sobre sono, apetite e
aptidão física. Todo o contato com o telespectador
é feito através do controle remoto.

Saúde – “Há uma infinidade de coisas
relacionadas à saúde que podemos
fazer usando a tevê digital”, diz o neurologista
Renato Sabbatini, presidente
do Instituto para a Educação em Medicina e Saúde.
Afinal, nove em cada dez residências espalhadas
pelos 5.500 municípios do País têm pelo menos
um televisor. Todos os anos, são fabricados
outros dez milhões de televisores, que
duram em média 14 anos.

“Sabemos fazer bons produtos, falta o
governo criar uma política industrial que
incentive o progresso da tevê digital”,
diz Marcelo Zuffo, responsável pelo
terminal de acesso, que possibilita que
mesmo os aparelhos antigos entrem no mundo
digital. Marcada para estrear em 7 de setembro,
a tevê digital ainda deve vencer etapas difíceis,
como a escolha do padrão de transmissão de imagens.
Hoje há quatro disponíveis: o brasileiro,
o japonês, o americano e o europeu.
Em comum, eles têm a capacidade de
transmitir imagens para tevês de alta
definição e celulares. Além de abrir as
portas para um mundo onde a imaginação é o limite.