segunda-feira, novembro 28, 2005

Viagem fantástica

Equipamentos de alta tecnologia permitem aos médicos "entrar" no corpo humano. Por Laila Mahmoud

Viajar pelo corpo humano e adquirir imagens muito mais precisas, nítidas, de maneira mais rápida e com muito menos esforço do médico, e do paciente, que não precisa mais passar por procedimentos invasivos, como cateterismo, para ser examinado. Poder filmar seu bebê dentro do útero e exibir o DVD para ele anos depois, fazer um exame para comprovar a eficácia de uma operação antes mesmo de terminar o procedimento cirúrgico e até mesmo identificar um câncer antes mesmo de ele ter se manifestado. Tudo isso não é mais sonho do futuro.

De desfibriladores portáteis a poderosos e enormes tomógrafos computadorizados com uso de pósitrons (PET-CTs), aparelhos de ressônancia magnética e de ultra-sonografia, instrumentos capazes de gerar imagens inacreditáveis (veja nossa galeria no link ao lado) e facilitar a vida de médicos e pacientes, reduzindo custos e melhorando seu conforto estão hoje disponíveis no mercado de equipamentos médicos. Um mercado que movimenta mais de R$ 5,35 bilhões anualmente no mundo, segundo a Associação Brasileira da Indústria, Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO).

Isso não significa que tais máquinas sejam baratas. Ainda assim a Philips, uma das principais empresas a trabalhar com equipamentos médicos no País, focou seus negócios em sua unidade responsável por esses produtos. Segundo Denis Pilon, gerente da área de tomografia computadorizada da empresa, uma das áreas que mais despontam é a de medicina nuclear, que inclui os equipamentos híbridos que misturam sua tecnologia com a de pósitrons, os PET-CTs.

Mas o que significam essas siglas? Para traduzi-las, é mais fácil explicar do que essas máquinas são capazes. O modelo mais avançado da empresa nessa área, por exemplo, o CT Brilliance 64, é um tomógrafo computadorizado (CT – Computer Tomography). Como todas as demais tecnologias, são ainda muito poucos no País e nenhum ainda em hospital público. Também pudera: um desses não sai por menos de US$ 1,5 milhão. Capaz de gerar imagens do ser humano a partir da injeção de um contraste, tem no número 64 de seu nome uma alusão ao número de “fatias” (slyces, em inglês) que ele consegue fotografar do corpo humano para, a partir delas, compor uma imagem do seu interior.

Segundo Hamilton Monteiro, responsável pela área de medicina Nuclear e PET da empresa, todas as imagens são feitas em 4 segundos, uma evolução enorme em comparação com os anteriores 30 segundos que precisavam para serem feitas. Nesse período do exame, o paciente tinha de prender a respiração para que a imagem saísse estática. Para pessoas mais idosas ou debilitadas, o avanço foi enorme.

Os ganhos não param por aí. Até os médicos agora não precisam ser especialistas em computação gráfica para que possam visualizar em um monitor, sem precisar imprimir, as imagens resultantes dos softwares de pós-processamento. Agora, bastam dois eu três cliques para ver as imagens em 4D (ou seja, em 3D, com densidade e em tempo real) e a cores, economizando impressão e evitando possíveis lesões por esforços repetitivos (LER) para o profissional.

As maiores conquistas do avanço dos equipamentos de ressonância magnética e de tomografia computadorizada com uso de pósitrons, que fazem diagnóstico por imagem, estão relacionadas à prevenção de doenças e à possibilidade de analisar o organismo humano durante uma cirurgia ou um tratamento. No caso do tratamento de oncologia, a revolução é que não é mais necessário esperar que a irregularidade no funcionamento das células gere alteração de tecidos. Com o uso de um material composto em parte de glicose, mede-se a alteração do consumo da substância e, portanto, do metabolismo do paciente. “O órgão não precisa mudar de forma”, explica Monteiro.

O procedimento impede também que, caso o nódulo ainda esteja inativo no paciente, a quimioterapia seja aplicada. “O PET vai impedir tratamentos danosos que não vão funcionar. No futuro, ele vai fazer uma economia de bilhões de dólares no mundo todo”, prevê o radiologista Tito Mundin, diretor de um dos mais modernos Centros de Diagnósticos por imagem do País, em Brasília, a Clínica Vilas Boas. Isso porque esses não são procedimentos baratos.

O dr. Mundin pode falar bem sobre o tema: recentemente adquiriu um tomógrafo computadorizado por emissão de pósitrons PET-CT Gemini para seu centro de diagnóstico, além de um tomógrafo computadorizado Brilliance Multislyce 64. Hoje sua clínica tem, entre outros equipamentos de altíssima tecnologia, quatro aparelhos de ressonância magnética, dois de tomografia computadorizada, 2 de mamografia digital (1 de diagnóstico e 1 de biópsia) e 7 workstations para manipulação de imagens. Outra das últimas aquisições de sua clínica foram uma ressonância magnética no valor de US$ 1,2 milhões, de 1,5 Teslas para análises do sistema nervoso central, espectroscopia de próstata e biópsia.

Segundo ele, identificar precocemente e detectar qual tratamento será eficaz na oncologia são fundamentais: “Hoje o câncer é a doença que cada vez aumenta mais”, diz.

De acordo com o dr. Mundin, hoje nos EUA há 1000 PET-CTs em funcionamento, enquanto no Brasil há apenas dois no RJ e três em São Paulo. E por que não há mais? A grande questão é que o equipamento funciona utilizando um material chamado FDG-18 (flúor desóxido de glicose), cuja fabricação é vetada pela Constituição por se tratar de um material radioativo. “Isso é um entrave para o desenvolvimento da molécula”, critica o dr. Mundin, que avalia a produção, concentrada na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como lenta.

Nem por isso ele desiste de expandir a capacidade de seu centro. Sua idéia é suprir a demanda ainda reprimida adquirindo ele mesmo um ciclotron, aparelho que produz o FDG e outras substâncias radioativas utilizadas em pesquisas e exames, tais como uréia e oxigênio radioativos, e instalá-lo em sua própria clínica. O argumento é irrefutável: todas as substâncias em questão possuem meia vida muito curta. E o plano é começar a produção e depois recorrer judicialmente para regularizar a utilização. Iniciar a produção vai custar, segundo sua própria estimativa, entre US$ 400 mil e US$ 500 mil, contando estrutura de tecnologia da informação, equipamento e instalação. É mais de 20% dos US$ 2,3 milhões que ele pretende investir para o não que vem na clínica.

Sem bisturi, sem internação Outra das maiores conquistas da tecnologia que “fatia” o corpo humano para fotografá-lo, a tomografia computadorizada, é a de ser uma substituta de uma cirurgia à qual era submetido o paciente para saber de seu estado de saúde: a angiografia (estudo dos vasos). Ela consistia em inserir um cateter no organismo por um corte de 2 a 3 cm de largura próximo à prega do cotovelo ou pela virilha, escolher um vaso sanguíneo que será percorrido até chegar o coração e, por meio de um contraste radiológico e um aparelho de raio-X, visualizar os vasos e cavidades do coração. O procedimento, ainda que simples, chegava a exigir a internação do paciente por um dia inteiro. Hoje, com os aparelhos mais modernos, o procedimento total de leitura, leva 7 segundos ao todo e não precisa de corte nenhum.

“Fiz cateterismo por 20 anos. Com a tomografia multislyce, a angiografia é feita em questão de segundos, só com uma injeção na veia”, afirma o radiologista. Ele completa que também na colonoscopia (estudo do intestino grosso) não é mais necessária a introdução de um equipamento com a câmera, o que trazia o risco de perfurar o intestino.

Mas a “estrela do momento” mesmo, segundo o dr. Mundin, é o estudo do coração. “[Com esse aparelho] você vê as artérias coronárias em 7 ou 8 segundos, tanto por dentro quanto por fora, enquanto o cateterismo só via a luz do vaso, o luminograma. Com isso, podemos ver placas de gordura, calcificação, toda a área do infarto e a parede do coração, sem expor o paciente a riscos”, explica. O equipamento que adquiriu custou US$ 1,45 milhões, segundo o dr. Tito, embora a fornecedora divulgue o preço de mercado em US$ 1,7 milhão. Só há mais um equipamento no País como seu recém adquirido PET-CT de 64 canais e fica no Centro de Diagnóstico por imagem, no Rio de Janeiro.

A Philips afirma que os negócios vão bem. Seu faturamento mundial foi, em 2004, de US$ 350 bilhões, sendo que um quinto (US$ 7,7 bilhões) vinha da área. Seu volume de equipamentos importados quadruplicou no ano passado e já está sendo finalizada a negociação de cinco máquinas de última geração. “O Brasil tem um grande potencial de negócios”, explica Pilon. “Elas estão restritas apenas a grandes centros pelo custo, mas a tendência é que vão se tornando mais acessíveis”, explica.

Já a Siemens, outra fabricante cuja unidade de equipamentos médicos cresce 6% ao ano, e investe R$ 108,3 milhões, correspondente a 6% do faturamento da sua área médica em 2004 (R$ 1,8 bilhões). Também interessada no mercado de produção de FDG, a empresa já vendeu recentemente um tomógrafo Somaton Sensation Cardiac 64 para o Hospital Sírio Libanês, um tomógrafo computadorizado Biograph 16 para o Hospital do Coração, em São Paulo, e tem um Magneton Trio, instalado no Hospital Sarah Kubitscheck, em Brasília. Esse mesmo equipamento, junto de um aparelho de ressonância magnética Espree (especial para pessoas obesas) também foi vendido a um hospital de grande porte em São Paulo, cujo nome a Siemens não divulga.

A ABIMO estima que as exportações de equipamentos médicos esse ano devam aumentar 15% com relação ao ano anterior, chegando a US$ 365 milhões. As importações, contudo, ainda ganham: em 2004 foram US$ 980 millhões.

Para entender:

Positron: Tipo de radiação carregada pelo fármaco para dentro do órgão. Com a hiper ou hipocaptação, pode-se chegar a produzir as mesmas imagens coloridas em 3D para o médico. “Nela é importante a visualização espacial, para o médico saber a localização e o tamanho da patologia”, explica Hamilton Monteiro, da Philips. A maior aplicação dessa tecnologia ocorre na área de oncologia, em 80 a 90% dos casos. Averiguar se o miocárdio ainda pode sobreviver depois do infarto, e estudar casos de demência e distúrbios neurosensoriais são outras de suas utilizações.

Tomografia computadorizada: As fotos são feitas enquanto o paciente está em um “tubo”. Como ele ingeriu um contraste que absorve os fótons, é possível destacar as artérias do paciente em exames vasculares, por exemplo. A tomografia então “empilha” tais informações e gera uma espécie de réplica, enxergando o paciente por dentro.

Ultra-sonografia: Um transdutor passa pelo corpo do paciente, gerando ecos de som. Muito usado em obstetrícia, hoje gera imagens inacreditáveis, como se fossem fotografias tiradas de dentro da barriga da mãe (confira em nossa galeria de fotos)

Os segredos do telefone celular

O próximo passo na evolução Fusão de computador de mão, máquina fotográfica, filmadora e telefone celular, os smartphones são a próxima etapa na evolução dos celulares. O produto recebe e envia e-mails, tira fotos, faz filmes e permite trabalhar em vários programas de computador, como Windows e Excel. No Brasil, os modelos em alta são o Blackberry e o TREO, da Palm (na foto). A disputa entre os dois produtos se acirrou depois que a Palm iniciou a fabricação do aparelho no Brasil. Primeira unidade fora da Ásia, a fábrica tem capacidade de produção de 30 mil celulares por mês. A expectativa da empresa é vender 500 mil TREOs, e abocanhar 3% das vendas de aparelhos pós-pagos existentes hoje no País. Operadoras como a TIM deverão subsidiar o aparelho, oferecendo-o gratuitamente a usuários que usam além de 300 minutos por mês.

segunda-feira, novembro 21, 2005

REPENSANDO OS CONCEITOS NO ESTUDO DA CLASSIFICAÇÃO

REPENSANDO OS CONCEITOS NO ESTUDO DA CLASSIFICAÇÃO

Prithvi N. KAULA

Resumo

Considera a classificação como um dos mais importantes ramos do conhecimento. Explica o conceito de classificação conforme o entendimento e análise de filósofos incluindo os Predicáveis de Aristóteles, a árvore de Porfíio, a classificação Baconiana e outros esquemas escolásticos para a classificação do conhecimento segundo John Locke, Auguste Comte, Herbert Spencer, etc. Assinala a categoria dos esquemas de classificação que foram aplicados a ciências específicas. Discute os diferentes esquemas de classificação sem notação e os esquemas com notação que os modernos esquemas incluem e que foram empregados nas coleções de livros das bibliotecas. Discute a falácia da classificação de livros e as razões para se adotar o termo classificação bibliotecária. Destaca a falácia da classificação bibliotecária. Examina em detalhe os fundamentos teóricos dos diferentes esquemas desde a Classificação Decimal de Dewey até a Classificação Internacional de Rider. Analisa os diferentes marcos na área da classificação e suas implicações. Fornece as características do universo de assuntos e a abordagem estática dos criadores de esquemas concebidos antes de Ranganathan. Tece comentários à teoria dinâmica da classificação. Traça a análise do conceito na classificaçãp e as expectativas na aplicação da teoria de Ranganathan à CDU em relação ao projeto ASCOM.

(Baseado no artigo submetido à 4. Conferência sobre Pesquisa em Classificação, Augsburg, Alemanha Ocidental, de 20 de junho a 2 de julho de 1982)

SUMÁRIO

1 A CLASSIFICAÇÃO COMO "PROCESSO MENTAL" 2 AS CATEGORIAS ARISTOTÉLICAS 2.1 A Árvore de Porfírio 3 A CLASSIFICAÇÃO BACONIANA 4 OUTROS ESQUEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO 4.1 Os Esquemas Escolásticos 4.2 Os Esquemas para a Ciência 4.3 Outros Esquemas 4.31 Esquemas sem Notação 4.32 Esquemas com Notação 4.33 Esquemas Especializados 5 CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO E CLASSIFICAÇÃO DE ASSUNTOS 5.1 Falácia da Classificação de Livros 5.2 Esquemas de Classificação do Conhecimento 5.3 Identificação das Diferenças 5.4 Por que Classificação Bibliotecária? 5.41 Falácia da Classificação Bibliotecária 5.5 Principais esquemas de Classificação Universal 6 BASE TEÓRICA DOS ESQUEMAS 6.1 Classificação Decimal 6.2 Classificação Expansiva 6.3 Classificação da Library of Congress 6.4 Classificação de Assunto 6.5 Classificação Decimal Universal 6.6 Classificação dos Dois Pontos 6.7 Classificação Bibliográfica 6.8 Classificação Internacional de Rider 7 O PRIMEIRO MARCO DE REFERÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES 8 O UNIVERSO DE ASSUNTOS E SUAS PECULIARIDADES 8.1 O Método Estático 8.2 O Advento da Teoria Dinâmica 91 O Trabalho nos Três Planos 91.1 Análise Conceitual 91.2 A Terminologia nas Esquemas 91.3 Plano Notacional 91.4 Análise da Obra 91.5 Revisão dos Termos Isolados 92 Identificação dos Números Homônimos e Sinônimos 93 História de uma Esquema Modelo 94 Análise do Conceito 95 CDU Reestruturada 96 Aplicação da Teoria de Ranganathan à CDU

1 A CLASSIFICAÇÃO COMO UM "PROCESSO MENTAL"

A Classificação tem sido colocada como a reunião de entidades semelhantes e a separação das não afins. Esta interpretação da classificação esteve em voga até o final do século XIX e o início do século XX. A diferenciação tem sido considerada uma característica básica na classificação. James Duff Brown estabeleceu em 1916 que a classificação era um "processo mental" constantemente executado de forma consciente e inconsciente por qualquer ser humano, ainda que não reconhecido como tal. Na realidade, este é um dos mais importantes campos do conhecimento. [1]. Toda mente classifica objetos consciente ou inconscientemente para todos os tipos de propósito. A despeito de significações e valores difundidos, o estudo da classificação não atraiu as pessoas de um modo geral, com exceção de alguns pensadores, lógicos, cientistas e especialistas em Biblioteconomia e Ciência da Informação.

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2 AS CATEGORIAS ARISTOTÉLICAS

Grande parte dos lógicos, filósofos e lexicógrafos que utilizaram a classificação para compreensão e análise do conhecimento interpretaram o significado da classificação de diferentes modos. Eles definiram classificação como 'Classificação do Conhecimento', que Aristóteles concebeu inicialmente como um 'exercício mental' (382-322 a.C.), mencionando os 'predicáveis' em seu 'Organon'[1] que, originariamente em número de quatro, foram os seguintes:

(1) Gênero (2) Espécie (3) Diferença (4) Propriedade, e (5) Acidente.

Estes predicáveis podem ser chamados de categorias. No desenvolvimento deste artigo outras categorias serão adicionadas a estas.

No devido curso, 10 categorias ou predicamentos foram reconhecidos. São as seguintes:

1 Substância 2 Qualidade 3 Quantidade 4 Relação 5 Lugar 6 Tempo 7 Situação 8 Posse 9 Ação 10 Sofrimento ou passividade

Estas categorias foram os principais fatores usados pelos aristotélicos e outros para qualificar as diversas áreas do conhecimento. Devemos mencionar também que os cinco predicáveis mencionados acima forneceram alguns dos fatores de subdivisão para a moderna classificação biológica. Aristóteles, na 'Metafísica', dividiu o conhecimento humano em três divisões e as subdividiu como segue:

Filosofia Teórica Física Matemática Metafísica Filosofia prática Ética Economia Política Filosofia produtiva Poética Retórica Arte

2.1 A Árvore de Porfírio

As nove classes apresentadas acima podem se adequar à maioria dos assuntos hoje reconhecidos. Seja como for, as categorias de Aristóteles floresceram no 'pórfiro' *, geralmente consideradas como ponto de partida para o estudo da classificação. A árvore de Porfírio é a seguinte:

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3 A CLASSIFICAÇÃO BACONIANA

Posteriormente surgiram inúmeras classificaçõs escolásticas do conhecimento. Entre elas devemos mencionar as divisões identificadas por Roger Bacon em seu 'Opus major' (1214-1294), e por N. Francis Bacon, que, em seu 'Augmentis Scientiarum' sugeriu um esquema de classificação do conhecimento, publicado em 1605 . A classificação Baconiana (1603-1623) foi considerada clara e satisfatória para o estudo do conhecimento humano. Apesar de algumas de suas classes e divisões se tornarem imbricadas, este sistema foi considerado um dos mais influentes nas diversas tentativas feitas para classificar o conhecimento. Seria também interessante mencionar o diagrama completo da classificação Baconiana.

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4 OUTROS ESQUEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO

Nota: A Classificação Baconiana foi ampliada por d'Alembert em 1767 e outros. W.T. Harris usou o sistema 'Baconiano invertido' em 1870, o qual influenciou a organização da Classificação Decimal de Melvil Dewey (1873-1876).
4.1 Os Esquemas Escolásticos

Entre os filósofos que estabeleceram esquemas para classificar o conhecimento devem ser mencionados os seguintes:

(a) Classificação de Locke (1688), de John Locke (1632-1704) (b) Classificação de Comte (1822-1851), de Auguste Comte (1798-1857) (c) Classificação de Coleridge (1826), de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) (d) Classificação de Spencer (1864), de Herbert Spencer (1820-1903) (e) Classificação de Bain (1870), de August Stadler (g) Classificação de Pearson (1892), de Karl Pearson (h) Classificação de Richardson (1901), de E. C. Richardson

4.2 Os Esquemas para a Ciência

Outras categorias de esquemas de classificação foram desenvolvidas para serem utilizadas em ramos específicos da Ciência. Vejamos a seguir:

(a) Classificação Botânica de Lineus, de Carl Linné (1735-1778) (b) Classificação Botânica de Jussieu (1789), de Antoine Jussieu (c) Classificação de Hooker e Bentham (1862-1883) (d) Classificação de Engler (1900) (1892-1897) (e) Classificações Zoológicas de Carpenter (1845) de Lydekkar (1897) de Hertwig (1903) de Cuvier (1729-1832) de Owen (1884-1892)

Nota: As subdivisões importantes se basearam nos 'Cinco Predicáveis' de Aristóteles.

4.3 Outros Esquemas

Outros grupos de esquemas de classificação surgiram para aplicação na organização dos livros. Estes sistemas de classificação podem ser agrupados em duas categorias:

(1) Esquemas sem notação, e (2) Esquemas com notação.

4.31 Esquemas sem Notação

Os esquemas sem notação são os abaixo relacionados:

(a) Classificação de Aldus (1505), de Aldo Manuzzi (1415-1515) (b) Classificação de Gesner (1548), de Conrad Gesner (1516-1605) (c) Classificação de Maunsell (1595), de Andrew Maunsell (d) Classificaçãoo de Naudé (1627), de Gabriel Naudé (e) Classificação de Garnier, de Jean Garnier (f) Classificação de Brunet, de J. C. Brunet (1718-1867) (g) Classificação de Horne, de Thomas Hartwell Horne (h) Classificação de Leibnitz (1718) (i) Classificação do Museu Britânico (1836-1838) (j) Classificação de Schleiermacher (1852) (k) Classificação de Merlin (1842), de R. Merlin (l) Classificação de Palermo (1854), de Francisco Palermo (m) Classificação da Royal Society (1857) (n) Classificação de Trubner (1859), de Nicholas Trubner (o) Classificação de Edwards(1859), de Edward Edwards (1812-1826) (p) Classificação de Smith (1882, de C. P. Smith (q) Classificação de Ogle (1895), de J. J. Ogle (r) Classificação de Sonnenschein (1897), de W. S. Sonnenschein (s) Classificação de Quinn-Brown (1894), de John H. Quinn e James Duff Brown

4.32 Esquemas com Notação

Os esquemas de classificação com notação foram usados para organizar livros. Os esquemas nesta categoria são os seguintes:

(a) Classificação de Harris (1879), de William T. Harris (b) Classificação de Schwartz (1871-1879), de Jacob Schwartz (c) Classificação Decimal de Dewey (1876, de Melvil Dewey (1851-1902) (d) Classificação Expansiva de Cutter (1891-1903), de Charles Ami Cutter (e) Classificação da Faculdade de Sion (?) (188601889), de W. H. Milman (f) Classificação Decimal Expandida de Bruxelas (1905, do Instituto Internacional de Bibliografia (g) Classificação Racional de Perkins (1882), de F. B. Perkins (h) Classificação de Hartwig (1888), de Otto Hartwig (i) Classificação de Fletcher (1889), de W. I. Fletcher (j) Classificação de Bonazzi (1890), de G. Bonazzi (k) Classificação de Rowell (1894), de J. C. Rowells (l) Classificação ajustável de Brown (1898, de James Duff Brown (m) Classificação Científica Internacional (1901), usada no "International Catalogue of Scientific Literature (n) Classificação da Universidade de Princeton (1901), da Universidade de Princeton (o) Classificação da Library of Congress (1902), da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (p) Classificação Decimal Universal (1902, da FID (q) Classificação de Assuntos (1906, de James Duff Brown

Durante a primeira metade do século XX um bom número de bibliotecas adotou alguns dos sistemas de classificação acima mencionados e outros foram introduzidos com certas modificações. Além destes, surgiram poucos mas relevantes sistemas de classificação. São eles:

(a) Classificação dos Dois Pontos (1933), de S. R. Ranganathan (b) Classificação Bibliográfica de Bliss (1935, de H. E. Bliss (c) Classificação Internacional de Rider (1961), de F. Rider

4.33 Esquemas Especializados

Surgiram também esquemas especializados de classificação aplicáveis a diversos assuntos e adotados por bibliotecas possuidoras de coleções especializadas. Nção há necessidade de listar todos os esquemas especializados, pois tomaria muito espaço. No entanto, alguns destes esquemas foram reconhecidos por especialistas nos seus respectivos campos.

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5 CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO E CLASSIFICAÇÃO DE ASSUNTOS

Da lista de esquemas mencionados nas Seções 4.3.1 e 4.3.2, os seguintes pontos ficam claros:

(1) Os esquemas relacionados à classificação do conhecimento pelos lógicos e filósofos podem ser denominados de esquemas de Classificação do Conhecimento; e

(2) Os esquemas com ou sem notação projetados por alguns cientistas, por bibliotecários e bibliotecas de organizações científicas podem ser denominados de esquemas de Classificação de Assunto.

5.1 Falácia da Classificação de Livros

Houve uma certo engano no pensamento das pessoas envolvidas com a classificação nos estágios anteriores, no sentido de identificar os esquemas produzidos por filósofos como sendo classificação do conhecimento, mas que não se aplicavam à organização dos livros nas prateleiras das bibliotecas; enquanto outros esquemas, concebidos por especialistas da área de assunto e bibliotecários, foram denominados classificção de livros. Para evitar este conflito, alguns esquemas aplicáveis

5.2 Esquemas de Classificação do Conhecimento

Dois tipos de esquema de classificação do conhecimento são reconhecidos:

(1) Puro - Aplicado - Sequência - Esquemas Livres (2) Puro - Aplicado - Sequência - Esquemas

5.3 Identificação das Diferenças

Isso nos traz à lembranç que os esquemas de classificação, ainda que não aplicáveis a livros de bibliotecas, podem ser chamados de esquemas de classificação do conhecimento. Para sermos mais específicos, eles podem ser chamados de esquemas de classificação de assunto. Chamá-los de classificação de livros é algo totalmente enganoso. Os livros como tal não são classificados por estes esquemas. É o assunto e o pensamento contido num livro ou documento que são classificados. Então, o termo que pode ser convenientemente utilizado para identificar tais esquemas é classificação de assunto.

5.4 Por que Classificação de Bibliotecas?

A diferença entre classificação do conhecimento e classificação de assunto pode ser perfeitamente demonstrada. Na classificação do conhecimento nenhuma fronteira particular da área do conhecimento é geralmente especificada e reconhecida; ao passo que, na classificação de assunto, as áreas específicas do conhecimento são identificadas e reconhecidas. Mas consciente ou inconscientemente a classificação de assunto está sendo chamada de classificação de bibliotecas. Isso se deve a dois motivos:

(1) Classificação de assunto é o nome de um esquema de classificaçãoo feito por James Duff Brown. Então, se o termo classificação de assunto pudesse ser usado, ele significaria o esquema específico e não vários esquemas relacionados à classificação de assuntos.

(2) Já que a classificação se aplicava a livros em bibliotecas, foi fácil nomear tal esquema pelo termo classificação de bibliotecas ou classificação de livros, esquecendo-se que ambos os termos foram totalmente enganadores.

5.41 Falácia da Classificaçãoo de Bibliotecas

"Library classification" pode significar a categorização de bibliotecas, como biblioteca pública, biblioteca escolar, biblioteca universitária, biblioteca especializada etc. Se, em vez de usar o termo "Library-classification" o termo fosse usado especificamente como classificação de bibliotecas, o significado se torna muito claro. Do mesmo modo como o termo "science classification", o termo "library-classification" não indica que seja um esquema para classificação das bibliotecas. O termo "book classification" é ainda mais enganador. Os esquemas não classificam um livro como entidade física, mas sim o pensamento nele contido é que é identificado e classificado. Talvez o termo "book classification" tenha sido usado pelo fato do número de classificação ou o número da classe ter sido dado ao livro como um todo, resultando disso a seqüência dos livros nas estantes. Mas "book-classificaciton" leva em conta o aspecto físico ou/ e as características de um livro e não o conteúdo ou o assunto específico contido em suas páginas.

Um esquema de números para livros é um esquema de classificação de livros. Mas um esquema de classificação de assunto ou para assuntos "não" é um esquema de classificação de livros.

5.5 Principais Esquemas de Classificação Universais

Dos principais esquemas de classificação usados, os seguintes são considerados universalmente aplicáveis à classificação dos assuntos:

1 Classificação Decimal Dewey, de Melvil Dewey, 1876 2 Classificação Expansiva, de C. A. Cutter 1891 3 Classificação da Biblioteca do Congresso, da Library of Congress, 1902 4 Classificação Decimal Universal, da F I D 1905 5 Classificação de Assuntos, de J. D. Brown 1906 6 Classificação dos Dois Pontos, de S. R. Ranganathan 1933 7 Classificação Bibliográfica, de H. E. Bliss 1935 8 Classificação Internacional de F. Rider 1961

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6 BASE TEÓRICA DOS ESQUEMAS

Muito tem sido escrito sobre as características de cada um destes esquemas, mas algumas dificuldades encontradas na organização de um esquema de classificação não foram bem compreendidas. Henry E. Bliss foi capaz de propor uma teoria de classificação 'antes' de organizar seu esquema - a 'Classificação Bibliográfica'. O primeiro esboço impresso de seu esquema foi publicado em 1910 e ele trabalhou durante 25 anos para organizar o esquema baseado nos princípios por ele enunciados em seus dois monumentais trabalhos [2].

Mesmo que outros esquemas tenham sido concebidos, seus autores ou criadores não divulgaram antes qualquer teoria sobre eles. Vejamos isto mais claramente na análise dos esquemas existentes.

6.1 Classificação Decimal

Melvil Dewey planejou a 'Classificação Decimal' sem, em nenhum momento, ter exposto os fundamentos do esboço do esquema e a lógica por trás das divisões dos principais assuntos, suas subdivisões, seçõeses, subseçõe;es, etc. Ele se utilizou de uma notação - números arábicos, cuja base é constituída por 9 dígitos.Baseou seu esquema nestas 9 classes, fazendo 9 outras divisões na categoria. Assim, houve pouca tentativa de fornecer um esquema para a organização de assuntos baseada no consenso científico que prevalecia naquele tempo. Como um classificador de correspondência no correio, ele conseguiu 9 escaninhos nos quais passou a encaixar os assuntos. Infelizmente Dewey não escreveu qualquer teoria, com exceção da Introdução que deu à 'Classificação Decimal' e isso mesmo depois de ter parado sua carreira ativa como bibliotecário ou professor de Biblioteconomia. Após ter perdido seu emprego e vivido por 25 anos até sua morte, em dezembro de 1931, ele não fez qualquer tentativa de escrever a teoria ou os fundamentos da seqüência estabelecida no esquema de classificação ou das tabelas de seu esquema, além do que havia exposto em sua 'Introdução'. Apenas nesta descreveu o esquema proposto.

6.2 Classificação Expansiva

C.A. Cutter se interessou inicialmente pela catalogação e elaborou seu código de catalogação em 1876 [3]. Ele foi um crí;tico severo da 'Classificação Decimal' e considerou um desafio conceber seu próprio esquema de classificação, que ficou pronto entre 1891-1893. Ele introduziu também uma nova característica chamada 'Lista de Lugar' mas nunca declarou qualquer teoria ou base teórica ou lógica subjacente às seqüências de classes e dos isolados nas várias partes de seu esquema de classificação.

6.3 Classificação da Library of Congress

Deve-se a Herbert Putnam a decisão de criar um esquema distinto para as grandes coleções da Library of Congress. Inicialmente, ele desejava adotar a disposição da 'Classificação Decimal' modificando-a posteriormente como fosse possível. Mas Dewey não concordou com a idéia de modificação e então a Library of Congress, consultando Cutter, adotou a disposição da 'Classificação Expansiva' com pequenas modificações. A estrutura da 'LC' e suas classes foram baseadas no trabalho de comissões criadas para cada uma das principais áreas do conhecimento. O esquema portanto perdeu a integração da notação e dos conceitos. Parecia mais ou menos como uma lista própria para a coleção da Library of Congress. Nem a teoria nem qualquer outro aspecto da notação decimal introduzida por Dewey e Cutter foi incorporada na construção do esquema. Nem mesmo um índice cumulativo ou consolidado das classes ficou disponível e somente há pouco se pensou nisso.

6.4 Classificação de Assunto

James Duff Brown defendia certos princípios de classificação mas não defendeu qualquer teoriaã para seu esquema de claissificação. Ele achava que as principais divisões do esquema de classificação são suscetíveis de muitas mudanças, mas o assunto específico não deve mudar. Foi com este objetivo que ele defendeu que todos os trabalhos relativos a um assunto simples deviam permanecer juntos e justapostos a outros livros ou tópicos a eles relacionados [4]. Este novo método de união de todos os aspectos de um assunto em um lugar possibilitou a negação do método da classificação feita por especialistas. Esta é talvez a razão pela qual a 'Classificaçãoo de Assuntos' tenha desaparecido como classificação prática, mesmo em bibliotecas onde foi introduzida pelo próprio Brown. Não houve qualquer interesse em escrever uma teoria da classificação que fornecesse a base de qualquer método escolhido por Brown para seu esquema. A presença do Esquema de Categorias foi, no entanto, um novo esquema do que hoje chamamos isolados comuns.

6.5 Classificação Decimal Universal

Paul Otlet e Henry La Fontaine estavam ansiosos por adotar uma esquema de classificação para a bibliografia universal que decidiram publicar depois de fundar o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB) em 1895. A expansão da 'CDD' era a única possibilidade colocada anteriormente. Afirmam que Melvil Dewey, tendo sabido da expansão de seu esquema sem seu conhecimento, não aprovou tal expansão de início e não autorizou o IIB a fazer isso. Ele pensava que qualquer expansão iria minimizar a utilidade básica do esquema original e justificar as críticas feitas a ela. Mas, havendo adotado mais tarde o esboço e a estrutura básica do esquema, os dois belgas tornaram-se os sucessores tanto dos bons quanto dos maus pontos da 'CDD'. A ausência de qualquer princípio básico para um esboço do esquema e a seqüência de classes fizeram com que a 'CDU' sofresse dessas limitações. Apesar do detalhamento do esquema e do uso de notação mista com bom número de dígitos indicadores, e inúmeros esquemas auxiliares, o esquema carece de uma teoria básica proposta por seus criadores originais.

6.6 Classificação dos Dois Pontos

Dr. Ranganathan concebeu o esboço da 'Classificação dos Dois Pontos' e adotou o esquema para a coleção da Biblioteca da Universidade de Madras antes de estabelecer qualquer teoria subjacente ao esquema. É surpreendente que ele tenha concebido um novo método para a organização do esquema de classificação - método facetado - sem mencionar tudo o que veio a especificar em sua teoria mais tarde, depois da publicação do esquema. Ele escreveu os 'Prolegomena to Library Classification' em 1937 [5] depois da 'Classificação dos Dois Pontos' ter sido criada e publicada em 1933. Os 'Prolegomena' serviram de base para dois trabalhos fundamentais de H. E. Bliss, autorizados pelo próprio Ranganathan.

A teoria básica, as técnicas de notação, as regras, os princípios, os postulados etc. foram propostos e ampliados subsequentemente [6].

Ele analisou seu esquema de classificação para ilustrar a teoria que defendia e também fez da 'Classificação dos Dois Pontos' uma aproximação das volumosas teorias que enunciou e defendeu atravéss de toda sua vida. É paradoxal que um grande teórico em classificação tivesse concebido um esquema de classificação antes de enunciar sua teoria e mais tarde adaptasse o esquema à sua teoria ou fizesse do esquema uma aproximação de sua teoria.

6.7 Classificação Bibliogáfica

H. E. Bliss foi o único classificacionista que enunciou uma teoria para o esquema de classificação criado mais tarde por ele. É claro que ele traçou o esboço em 1910, o que o levou a um estudo de 25 anos e ao exame de vários esquemas com suas avaliações críticas, como observou em seus dois trabalhos (ver item anterior) e também em inúmeros princípios que defendeu antes de ter concebido e publicado seu esquema de classificação em 1935. Não existe outro exemplo em toda a história da Classificação para bibliotecas onde um pesquisador tenha levado 25 anos para o estudo da classificação, apresentado sua teoria e defendido seus próprios princípios para então conceber o esquema como uma aproximação à teoria por ele anunciada. Bliss foi o primeiro classificacionista capaz de dizer que um esquema de classificação representava a 'organização do conhecimento' e, por isso, ter o respeito dos cientistas e especialistas no ramo.

6.8 Classificação Internacional de Rider

Rider teve a oportunidade de estudar as várias teorias e sua aplicação aos vários esquemas antes dele, mas preferiu ignorar o que havia acontecido até então e retornou aos tempos de Dewey, quando não havia qualquer teoria específica sobre a concepção de um esquema de classificação. Parece estranho que Rider tenha gasto 30 anos na concepção de seu esquema e não tenha feito nada para aprender algo das exposições teóricas feitas antes dele. Seu esquema é uma aproximação da moderna teoria da classificação.

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7 O PRIMEIRO MARCO DE REFERÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES

Melvil Dewey introduziu a notação decimal em seu esquema de classificação. Introduziu pela primeira vez na classificação a notação de valor ordinal. A partir deste método fornecia um número integral expresso na escala de 10. Isso possibilitava uma base hierárquica na notação. Dewey, no entanto, não inseriu o ponto decimal no início de cada número decimal. Ele usou um ponto depois dos três primeiros dígitos como um dígito não significativo para fazer com que o número fosse capaz de ser lido com apenas uma olhadela.

A introdução da notação da fração decimal foi o primeiro passo significativo na classificação de assuntos. Isto também diferenciou esta classificação da classificação escolástica dos lógicos e filósofos. Estes esquemas não serviam para a subdivisão de qualquer assunto, num grau sempre crescente de detalhes, nem mesmo para ajudar no arranjo dos isolados formados, possibilitando manter o arranjo consistente. O sistema de números ordinais, que é representado por números de classes, foi concebido mediante a introdução da notação de fração decimal.

A utilidade da notação de fração decimal foi reconhecida por criadores de esquemas de classificação que vieram depois de Melvil Dewey. Todos eles, menos os criadores da 'LC' e 'CIR', adotaram a notação de fração decimal para fornecer hospitalidade na cadeia em seus esquemas. O uso da notação pura foi vencido pelo uso da notação mista por inúmeros inventores. Todos estes criadores forneceram grande hospitalidade através do uso da notação mista com seus valores ordinais. Os esquemas de classificação concebidos pelos filósofos eram em sua grande maioria baseados em suas idéias, especulações e intuição. Não havia, além disso, nenhuma necessidade de anunciar qualquer teoria por trás dos arranjos feitos para as váriasáreas do universo do conhecimento.

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8 O UNIVERSO DE ASSUNTOS E SUAS PECULIARIDADES

A classificação de assuntos ou o que chamamos de 'subject classification' significava a classificação de assuntos específicos de várias dimensões. Para fazer jús às exigências de características do universo de assuntos era necessário desenvolver uma teoria de classificação de assuntos. O surgimento do conceito de Isolado Comum e dos esquemas auxiliares foram os novos desenvolvimentos na criação de um esquema de classificação. A criação básica de um esquema de classificação ficava ao sabor do criador. O crescimento exponencial de assuntos e a taxa de proliferação do universo de assuntos criou um grande problema. O trabalho de construção de esquemas tinha limitações e sentiu-se necessidade de desenvolver uma teoria regular de classificação aplicada à criação de um esquema de classificação. Dr. S. R. Ranganathan foi o primeiro a perceber a necessidade de uma teoria dinâmica de classificação. Ele descobriu que o universo dos assuntos tinha suas próprias particularidades que ele assim estabeleceu:

(i) O Universo de Assuntos era dinâmico; (ii) Era infinito; (iii) Era multidimensional; (iv) Era multidirecional; (v) Era sempre turbulento; e (vi) Era um continuum.

Dr. Ranganathan, além disso, imaginou que o universo de assuntos, que tinha particularidades (ver o mencionado acima) e que estava se tornando rapidamente dinâmico, carecia de uma teoria dinâmica da classificação.

8.1 O Método Estático

É evidente que antes de Ranganathan os criadores de classificação imaginavam um esquema estático de classificação para fazer face às exigências do universo de assuntos dinâmico, multidimensional, sempre turbulento. Então, naturalmente, os esquemas de classificação deixaram de satisfazer as exigências do universo de assuntos do momento presente e do futuro. As tentativas na teoria de classificação, conforme contidas na classificação, tanto teóricas como práticas, e a organização do conhecimento em bibliotecas foram muito estáticas e descritivas e havia pouca evidência dos elementos dinâmicos nelas contidos.

8.2 O Advento da Teoria Dinâmica

Os 'Prolegomena to Library Classification' surgiram em 1937. Com isso, a teoria estática descrita até então chegou ao fim e uma nova teoria dinâmica surgiu, com certas limitações. A segunda edição dos 'Prolegomena' continuou o processo da teoria dinâmica, que ficou totalmente pronta na terceira edição, em 1967. Os princípios normativos formulados nesta teoria estão contidos no seguinte:

(1) Leis gerais do processo básico de pensar; (2) Cinco leis da Biblioteconomia, formando a base para o desenvolvimento da Biblioteconomia, incluindo a classificação; (3) Postulados, princípios e regras para fornecer diretrizes no trabalho de classificação; (4) Regras a serem usadas como criério na concepção de uma esquema para classificação no plano verbal; e (5) Regras para conceber diretrizes no trabalho de classificação no plano da notação.

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91 O Trabalho nos Três Planos

Antes dos princípios normativos serem aplicados, o trabalho de classificação foi demarcado em três planos a saber:

1 Plano das idéias 2 Plano verbal 3 Plano notacional

91.1 Análise Conceitual

O trabalho no plano das idéias é considerado superior. Ele provém do trabalho da mente, que é o lugar onde se originam as idéias. O criador de idéias precisa de auto-comunicação no interior da mente a fim de criar mais idéias. O trabalho no plano das idéias pode ser tomado como análise do conceito. Uma idéia é um conceito que ao tomar forma concreta pode levar a alguma informação. A análise conceitual é uma tarefa difícil que tem que ser esgotada na concepção do esquema de classificação. Um conceito pode ser um isolado, um quase isolado ou um assunto e é a identificação de conceitos, sua posição no universo de assuntos, seu arranjo sistemático entre outros conceitos, etc., que faz do trabalho uma tarefa árdua.

91.2 A Terminologia nos Esquemas

A linguagem é uma mediadora para a comunicação de idéias ou conceitos. Naturalmente, o trabalho no plano verbal tem que levar em consideração a terminologia usada na expressão do conceito particular e na interpretação daqueles conceitos ao comunicar o correto significado e a relação no contexto com outros conceitos. Estes têm que ser livres de homonímia e sinonímia, particularmente numa linguagem classificatória, que não é uma linguagem natural.

91.3 Plano Notacional

O trabalho no plano notacional tem certas restrições. Ele tem que funcionar de acordo com o que está convencionado pelo que foi trabalhado no plano das idéias. A relação entre o plano notacional e o plano das idéias é a do senhor e o criado. Mas, assim como um criado tem que seguir todas as extravagâncias e fantasias de seu senhor, também o plano notacional tem que desenvolver sua capacidade e versatilidade com o objetivo de complementar totalmente as descobertas no plano das idéias.

91.31 Redução das Restrições

A restrição no plano notacional era evidente quando Melvil Dewey escolheu somente 9 dígitos para representar a classe na sua esquema. A mesma limitação continuou com a 'CDU', embora esta tenha tentado desenvolver-se em sua limitação através da adoção da notação mista e inúmeras divisões analíticas dos esquemas auxiliares. Mas o trabalho no plano notacional foi sem dúvida alguma melhorado com a publicação da 'CC', em 1933, em uma estrutura facetada, e uma teoria dinâmica suplementada por várias técnicas e divulgada desde 1950.

91.32 Área Menos Assistida

A 'Classificação dos Dois Pontos' tenciona implementar as descobertas da teoria dinâmica da classifica'ão para vencer as limitações notacionais e levar a cabo as exigências de trabalho no plano das idëias. O trabalho nos três planos tem que ser separado. Tal separação facilita a exploração de cada esfera de trabalho. Observou-se que, enquanto o trabalho no plano das idéias e no plano notacional necessitava de constante atenção, revisão, modificação e desenvolvimento, o trabalho no plano verbal tinha permanecido mais ou menos constante.

91.4 Análise da Obra

Uma análise da obra nos três planos traz à tona os seguintes pontos:

(1) A análise do conceito tem que ser feita em assocção com especialistas em lingüística e especialistas no assunto. Não pode ser feito por um especialista em classificação ou pelo próprio criador do esquema. Isso significa que mais e mais pessoas de outras disciplinas devem estar associadas com o trabalho de classificação, particularmente na análise dos conceitos - sua interpretação, sua seqüência, sua interrelação e elucidação.

(2) Postulados, princípios e regras devem ser aplicáveis rigorosamente aos três planos de trabalho e às áreas especificadas onde um trabalho posterior precise utilizar os princípios e cânones.

(3) Há necessidade de se demarcar outro plano de trabalho entre o plano verbal e o notacional. Uma vez desenvolvidos e expressos os conceitos, eles precisam ser estabelecidos numa seqüência requerida pelo plano das idéias antes de adotar a notação. Este plano se engajará no arranjo, rearranjo, adoção ou mudança de seqüência dos isolados ou conceitos, conforme estabelecido no plano verbal, mas antes que as técnicas notacionais sejam aplicadas. Isto pode ser interpretado de uma outra maneira. Antes do aparato notacional ser dado a um conceito ou a uma érie de conceitos, é necessário algum trabalho para tornar a seqüência de conceitos ou a aplicação de conceitos compaível com a técnica notacional dispoível para a classificação. Alguns podem não concordar com a observação, mas é claro que o trabalho no plano notacional tem que ser o de levar em conta a idéia de preparação do conceito para o emprego da notação e a operação da notação aos conceitos.

91.5 Revisão dos Termos Isolados

Os esquemas de classificação foram concebidos com a terminologia em uso naquele tempo. No curso dos anos alguns termos se tornaram obsoletos e perderam sua aceitação e alguns novos termos vieram a entrar no campo para representar os antigos conceitos. Então a substituição de termos antigos e a omissão de termos obsoletos e a introdução de novos termos têm que ser feitas através de constante revisão dos termos isolados em cada uma das tabelas de um esquema de classifica'vãoo. Este trabalho foi levado adiante pelo Departamento de Biblioteconomia da Universidade Hindu de Benares por um aluno de mestrado em Biblioteconomia, que preparou um quadro comparativo dos termos usados em Ciências Biológicas em três esquemas de classificação - CDD, CC e CDU - e também no tesauro em cada um dos assuntos [7]. O resultado foi que todos os esquemas tiveram menos termos correntes e tiveram também inúmeros termos obsoletos. Tal trabalho tem que ser feito em outras disciplinas se quisermos que nossos esquemas de classificação representem os conceitos corretamente e com uma terminologia atualizada e modelar.

92 Identificação dos Números Homônimos e Sinônimos

Existe uma grande quantidade de números homônimos e sinônimos particularmente na 'CDD' e na 'CDU'. Em 1946, quando eu era aluno do Departamento de Biblioteconomia na Universidade Hindu de Benares iniciei o trabalho de identificação de números homônimos e sinônimos na 'Classificação Decimal'. O resultado, um esforço grandioso, foi publicado em 1946 [8]. Este trabalho não foi continuado posteriormente. Alguns passos devem ser dados para se descobrir os números sinônimos e homônimos de forma que se estabeleça a unicidade dos números de classes e o esquema de classificação fique livre de números homônimos e de números sinônimos.

93 História de um Esquema Modelo

Neste artigo não pretendo me deter em outras idéias, sugerindo observações para seu aperfeiçoamento, masé amplamente aceito na India que as pessoas se engajem na avaliação e no desenvolvimento da teoria existente e na técnica notacional desenvolvida pelas contribuições do Dr. Ranganathan. Mesmo reconhecendo que a 'Classificção dos Dois Pontos' é uma esquema prático muito superior a outros esquemas de classificação, ela talvez não seja adotada por grande número de bibliotecas fora da India, mas é adotada por um grande número de bibliotecas no sul da India e praticamente nas mais importantes bibliotecas do norte da India. A teoria por trás da 'CC' viverá e está sendo estudada em quase todas as escolas de Biblioteconomia e de Ciência da Informação. O estudo da teoria da classificação através do "CCC' (Comitê Central de Classificação da FID) torna-se um guia para a classificação prática, mesmo trabalhando com outros esquemas. Aqueles que tiverem como experiência o trabalho com a 'CDD', a 'CDU' e a 'CC', irão concordar comigo que, ao trabalhar com esses esquemas, particularmente atribuindo números aos documentos, o método 'CC', baseado nos seus fundamentos teóricos, é sempre útil.

Ao escolher a primeira fase, a segunda, a terceira, etc., de um número de classe que represente um assunto científico, o método da teoria básica da 'CC' é proveitoso. A impossibilidade da 'CDU' fornecer números únicos, pelo fato de poder construir números alternativos, encontra na Análise de Faceta e nos princípios de seqüência de facetas a base para produzir números de classe úteis para atender as necessidades da maioria dos usuários.

94 Análise do Conceito

Creio que o termo 'Classificação para Bibliotecas' deveria ser substituido por Classificação de Conceitos pois a classificação de assunto cria homonímia. Já a Dra. I. Dahlberg trabalhou na análise conceitual endossando a teoria básica da classificção como foi realizada pelo Dr. Ranganathan. Ela é de opiniã que a estrutura do sistema deveria ser baseada na categoria de descritores de objetos e campos de aspectos, o que é um esclarecimento avançado para a categoria fundamental e para os conceitos de relação de fase usados na Classificação dos Dois Pontos.

95 CDU Reestruturada

Estou convencido, também, que o futuro do sistema de classificção universal se baseia na adoção de uma teoria dinâmica da classificação, como a desenvolvida por Ranganathan. Embora a CDU seja um esquema internacional de classificação e seja adotada em muitas bibliotecas especializadas, bem como na área de informação, o esquema com suas limitações é incapaz de ir ao encontro das necessidades das dinâmicas caracteísticas do universo de assuntos. Enquanto a estrutura da CDU não puder ser modificada, uma estrutura modificada na forma de BSO (Broad System of Ordering) já foi criada [9]. A CDU pode ter grande utilidade e longevidade com mais flexibilidade e hospitalidade se adotar alguns dos conceitos e princípios teóricos básicos, incluindo as técnicas notacionais na reestruturação de suas classes. Esta é uma nova linha de estudo que deve ser considerada pela FID e seus comitê - FID/CCC e FID/CR.

95.1 Concepção do ASCOM

Enquanto estive no encontro do Centro Regional da UNESCO para o Hemisfério Ocidental assumi a tarefa de criar um esquema analítico-sint'rtico de classificação de Medicina dentro da organização da CDU, que estava sendo adotado no Centro Nacional de Informação em Ciências Médicas em Havana, Cuba. Dois médicos e dois biblioários trabalharam comigo e nós criamos um novo esquema de Medicina chamado ASCOM (Analytico-Synthetic Classification of Medicine) dentro da estrutura da CDU [10]. O esquema foi apresentado posteriormente no Congresso Mundial de Medicina realizado em Bruxelas e foi colocado, ainda, em computador. Tais estudos em outras áreas ajudariam tremendamente no desenvolvimento das potencialidades existentes e na versatilidade dos esquemas da CDU.

96 Aplicação da Teoria de Ranganathan à CDU

Um aluno do Mestrado em Biblioteconomia do Departamento de Biblioteconomia da Universidade Hindu de Benares desenvolveu o trabalho 'Aplicação da Teoria de Ranganathan à CDU'. Este trabalhá me convenceu que resultados muito melhores podem ser obtidos pela aplicação da teoria proposta por Ranganathan e reconhecida por todo mundo, se pudesse ser incluida no esboço do quadro da CDU. Em 1962, Donker Duyvis, Secretário Geral da FID, ao homenagear Ranganathan expressou seu desejo de que poderia haver a combinação dos dois sistemas de classificação bibliográ -CDU e CC - e que se houvesse alguém que tivesse interesse em tal trabalho, este seria o 'Sábio Amigo do Oriente'. Deixem-me colocar aqui o que ele realmente disse:

'Sei que a tarefa de reunir as duas classificações multidimensionais e dinâmicas é mais do que sobre-humana e devo me confessar incapaz de cumprí-la mesmo parcialmente. Mas, se descobrirmos alguém em quem possamos confiar, ele fará uma séria tentativa de unificá-las. Acho que esta pessoa &é o nosso sábio amigo vindo do Oriente.' [11]

Donker Duyvis tinha confiaça de que o 'ábio homem' - Dr. Ranganathan - poderia combinar os princípios da Classificação dos Dois Pontos com a utilidade da CDU e o esquema combinado que ele pudesse projetar seria uma grande contribuição para o estudo da classificação e de sua aplicação ao trabalho de informação, por muitos anos vindouros.

* O autor faz um trocadilho com o nome de Porfírio [N. do T.]

Referências

[1] BROWN, J. D. Library classification and cataloging, 1916, p. 1.

[2] BLISS, H. E. Organisation of knowledge in libraries and subject approach to books. 1. Ed. 1933, 2. Ed. 1939.

[3] CUTTER, C. A. Rules for a dictionary catalogue.

[4] BROWN, J. D. Subject classification - Introduction.

[5] RANGANATHAN, S. R. Prolegomena to library classification. Ed. 1. 1937; Ed. 2. 1957; Ed. 3. 1964.

[6] Ibid. p. 13.

[7] VARSHNEY, S. Canon of currency and schedules of classification schemes. (M. Lib. Sc. Dissertation)

[8] KAULA, P. N. Homonymous and synonymous decimal numbers (ILA Bulletin, vol. 4, 1946, p. 32-35).

[9] COATES, Eric; LLOYD, G.; SIMANDL, Dusan . Broad system of ordering manual. 1979.

[10] DORF RUDICH, Solomon; BRAVO, j. Raman; KAULA, P. N. ASCOM - Analyutico-synthetic classification of Medicine (Herald of Library Science, vol. 12, 1973, p. 299-312)

[11] DUYVIS, Donker Jubilee of the creator of the Colon Classification (In: Library Science Today, ed. by P. N. Kaula, p. 34)

(Do orignal em inglês: Rethinking on the concepts in the study of classification, publicado em Herald of Library Science, vol. 23, n. 2, Jan./Apr. 1984, p. 30-44)

(Direitos de tradção e divulgação cedidos pelos editores de Herald of Library Science)

fonte:http://www.conexaorio.com/biti/kaula/index.htm

TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO, ONTEM E HOJE

TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO, ONTEM E HOJE

Ingetraut Dahlberg * Mainz Universitat - Alemanha

SUMÁRIO

1. BREVE HISTÓRIA DA TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO 2. PASSOS PRELIMINARES PARA UMA NOVA ABORDAGEM 3. RANGANATHAN, PAI DA MODERNA TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO 4. A INFLUÊNCIA DE RANGANATHAN 5. PESQUISAS DAS RELAÇÕES ENTRE CONCEITOS 6. CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS DA TEORIA CONCEITUAL ESBOÇADA 7. PESQUISA E DESENVOLVIMENTO FUTUROS EM CLASSIFICAÇÃO

1. BREVE HISTÓRIA DA TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO

A antiga arte de classificar, tão antiga quanto a humanidade, apenas recentemente adquiriu uma base teórica adequada - base esta que nos permite presumir que ela progrediu do status de arte para o de ciência.

Quando apenas uma arte, a classificação foi aplicada de diversos modos e formas à medida que nosso conhecimento se desenvolvia. Deixou suas marcas em todos os arranjos sistemáticos que entraram na composição dos trabalhos de grandes filósofos, a começar pelo Indic Vedas, a Bíblia, as coleções encilopédicas de tudo o que era conhecido numa determinada época, como por exemplo a enciclopédia do egípcio Amenope (1250 A.C.) e de Caius Plinius Secundus (23-79 D.C.), e ainda as grandes enciclopédias da Idade Média, como as de Isidro de Sevilla, Vincent de Beauvais, Bartholomaeus Anglicus, Brunetto Latini e as da Renascença, como as de Georg Valla, Rafael Maffei, Johann Heinrich Alsted, Wolfgang Ratke. Todos esses trabalhos foram organizados sistematicamente, i. e. o conhecimento neles apresentado era organizado segundo alguma idéia pré-concebida. A última enciclopédia dessa fase do desenvolvimento da classificação foi a de Diderot e d'Alembert (1751-1780), que apresentava-se não só numa forma sistemática mas também - como uma inovação - numa ordem alfabética. (Para a história detalhada ver 1)

No início, a sistematização do conhecimento não era feita de maneira esquemática como a conhecemos hoje. Até 1491 não era hábito elaborar sistemas para a classificação das ciências como um fim em si mesmo. Provavelmente só após 1491, quando o humanista e poeta italiano Angelo Poliziano publicou seu "Panepistemon"- um plano destinado não a ser o esboço de um texto mas a mostrar esquematicamente as relações entre as ciências ou áreas do conhecimento - é que realmente foi iniciado o "movimento" de elaboração de sistemas de classificação. Após Poliziano, muitos outros tentaram a mesma coisa, nenhum deles tão conhecido como Francis Bacon que, cerca de cem anos depois, em 1605 para sermos exatos, publicou um plano de classificação das ciências em seu trabalho "De dignitate et augmentis scientiarum". Contudo, esta arte não foi chamada de "classificação" até quase duzentos anos mais tarde, por volta do fim do século XVIII. Somente a partir dessa época é que temos evidências, especialmente através das bibliografias de C. W. Shields (2), R. Flint (3) e B. C. Richardson (4), de que o termo "classificação" foi utilizado em títulos de livros (5, p. 17), relacionado com a apresentação de um plano para a classificação das ciências e dos livros. No século XIX especialmente, a elaboração de tais planos tornou-se um hobby para cada filósofo, bem como para alguns cientistas - por exemplo, o físico A.-M. Ampère (6) - e até para um homem de estado como T. G. Masaryk, presidente da Tcheco-Eslováquia (1886). A inspiração decorrente desses trabalhos filosóficos também influenciou os bibliotecários no sentido de construirem continuamente novos sistemas para a organização do conteúdo de suas coleções de livros.

Esta arte de elaborar sistemas, com alguma idéia intuitiva sobre divisões, prioridades no arranjo - primeiramente hierarquias e subordinações e finalmente "auxiliares"- era tida como teoria da classificação até muito recentemente; esta situação ainda se encontra refletida na grande obra do falecido E. I. Samurin, bibliotecário e historiador da classificação russa, que passou vinte anos de sua vida coletanto e interpretando a maioria dos sistemas de classificação de caráter universal conhecidos até então (1).

2. PASSOS PRELIMINARES PARA UMA NOVA ABORDAGEM

Na verdade, foi no século XVI que o filósofo italiano Mario Nizolio (1498-1556) expressou sua irritação diante do fato de que algumas ciências podem ser consideradas sob diversos aspectos se apresentadas num plano global das ciências. Em seu tratado "Antibarbarus philosophicum", de 1553, que contém sua própria sugestão para a classificação das áreas do conhecimento, ele não relaciona nenhuma ciência que possa ocorrer em várias divisões, tais como as ainda encontradas no plano de J. Huarte (1575), que estabelece distinção entre "Medicina Teórica" e "Medicina Prática", "Teologia Positiva" e "Teologia Escolástica", "Direito Teórico" e "Direito Prático"; encontra-se cada uma destas disciplinas em uma divisão diferente. Entretanto, trezentos anos teriam de passar antes que uma investigação teórica do fenômeno fosse tentada por Ampère. No prefácio de sua classificação de 1834-1843, escreveu:

Já há algum tempo eu compreendera que, ao tentar determinar as características distintivas para a definição e classificação das ciências, é necessário considerar não só a natureza dos objetos à qual eles se relacionam, também os pontos de vista sob os quais esses objetos podem ser considerados..."(6)

Os pontos de vista sob os quais pode-se considerar uma certa área de conhecimento relacionada com seu objeto receberam portanto posições especiais nas subdivisões de seu plano.

Da mesma forma, I. G. de Saint-Hilaire (1805-1861), bem como outros mais tarde, tentou demonstrar a diversidade dos aspectos de forma diagramática, como a "classification palallélique" (1, II, p. 73-76). O primeiro bibliotecário a considerar esse fato na discussão da teoria subjacente a seu plano foi Henry Evelelyn Bliss (1870-1955). Após a primeira publicação de suas idéias em 1910, Bliss preocupou-se com os fundamentos filosóficos sobre classificação e escreveu seus dois famosos livros "A organização do conhecimento e o sistema das ciências" (7) e "A organização do conhecimento nas bibliotecas"(8). Em um terceiro livro tentou combinar o conhecimento filosófico sobre classificação com a necessidade de colocar em estantes os livros de uma biblioteca.

Em seu sistema final de classificação (publicado primeiramente em 1935, e revisto e ampliado em 1940-1953), (9)Bliss mostrou os diferentes aspectos de cada área também de forma diagramática (de acordo com os pontos de vista filosófico, científico, histórico e tecnológico/artístico. Apesar disto, ele geralmente re-arrumava as áreas, apresentadas bi-dimensionalmente, na maioria das vezes em apenas um nível hierárquico, visando à brevidade e a uma arrumação mais fácil dos livros nas estantes.

Sua contribuição real para a teoria da classificação foi ter posto a classificação bibliográfica novamente em contacto mais estreito com os princípios filosóficos da classificação, por exemplo, com os fundamentos conceituais da formação, divisão e partição de classes. Entretanto, também é justo afirmar que Bliss não descobriu nem formulou, ele próprio, grande número de novos conceitos na teoria da classificação. Pelo fato de termos hoje o privilégio de poder observar o passado, podemos afirmar que a contribuição real e visível de Bliss, em seus três livros mencionados, foi ter proporcionado ao classificacionista indiano Ranganathan a mais fértil das inspirações.

3. RANGANATHAN, PAI DA MODERNA TEORIA DA CLASSIFICAÇÃO

Em seu livro "Prolegomena to library classification", de 1937 (10), S. R. Ranganathan (1897-1972) descreve esse fato muito claramente. Uma vez, não podendo conciliar o sono, um amigo aconselhou-o a ler algo para distrair-se. Ranganathan possuia os três livros de Bliss mas até então não encontrara tempo para lê-los. E seguiu o conselho do amigo. Porém, ao invés de adormecer, não pode parar de ler até ter terminado os três livros. Ficou fascinado pela idéia da criação de uma base teórica para sistemas de classificação, e ao mesmo tempo sentiu-se motivado para formular uma teoria sua, a teoria da Classificação dos dois Pontos, tal como foi apresentada em seu famoso livro "Prolegomena...". Isto ocorreu quatro anós a publicação da primeira edição da Classificação dos Dois Pontos (11), que havia sido desenvolvida apenas a partir de bases intuitivas. Agora, Ranganathan formula regras, enuncia cânones e postulados a partir dos quais extrai seus princípios e lança seus chamados "processos" (devices) para a formação de representações de conceitos em nível teórico.

Antes de tornar-se bibliotecário, Ranganathan havia se especializado em matemática, tendo mesmo ensinado essa disciplina na Universidade de Madras. Através de sua abordagem teórica, pode-se dizer que Ranganathan "matematizou"a classificação. Mas ele não utilizou a matemática de maneira quantitativa ou estatística. Sua abordagem matemática era muito similar à do grande filósofo alemão G. W. Leibniz (1646-1716), que não só apresentou as bases do cálculo integral e diferencial (1673) mas também procurou, toda sua vida, um novo tipo de matemática, 'qualitativa', como ele a chamou. Desde sua dissertação "De arte combtinatoria"(1666), Leibniz procurava uma "characteristica universalis", um tipo de linguagem conceitual para a expressão combinatória de qualquer conceito e assunto existente no mundo (12) (13); assim, eventualmente influenciou G. Frege em sua lógica predicativa e "Begriffschrift"(14), bem como a maior parte da lógica moderna.

Possivelmente, Ranganathan encontrou o novo tipo de matemática qualitativa que Leibniz buscava ao tentar analisar os assuntos, dividindo-os em seus elementos constituintes e em seguida formular e formalizar, através de suas "fórmulas de facetas", enunciados sobre os assuntos encontrados nos livros e em outros tipos de documentos. Trata-se das regras para os "processos" que Ranganathan introduziu como sendo geralmente representativo dos elementos da notação que substituem os conceitos dos assuntos.

A abordagem ranganathiana da classificação era pois completamente diferente de todas as anteriores. Embora já se pudesse perceber uma abordagem analítica e combinatória nos sistemas de Dewey (especialmente através da influência determinante na CDU de P. Otlet e H. La Fontaine), de C. A. Cutter (1837-1903), de J. D. Brown (1861-1914) e de H. E. Bliss, o sistema de Ranganathan diferia dos outros, sobretudo pelo fato de que ele não usava classes pré-estabelecidas e prontas às quais os títulos tinham de ser relacionados, mas criava classes de livros somente no momento em que um livro era analisado segundo os elementos conceituais de seu assunto, e sintetizado segundo as regras das fórmulas de facetas ligadas às disciplinas. Mas isso significa também que o número de classes gerado por esse sistema pode ser igual ao número de livros da biblioteca, se sua coleção for suficientemente diversificada, pois dois livros somente podem ser considerados como pertencentes a uma só classe se sua síntese for igual.

Entre as diversas idéias novas e a quantidade de novos conceitos de classificação criados por Ranganathan (e frequentemente expressos de maneira muito pitoresca), quais são os três pontos que podem ser considerados como sua maior contribuição à moderna teoria da classificação?

Em primeiro lugar, Ranganathan introduziu três níveis distintos baseados nos quais trabalham os classificacionistas (que elaboram sistemas de classificação) e os "classificadores". Estes níveis são:

  • o chamado "plano da idéia" - nível das idéias, conceitos
  • o "plano verbal" - nível da expressão verbal dos conceitos (que podem variar segundo a lingua utilizada)
  • o "plano notacional" - nível da fixação dos conceitos em formas abstratas, tais como sinais (letras, números)

Essa distinção em três níveis auxiliou consideravelmente a tornar mais claro o que pode ser considerado como o objeto da ciência da classificação: é o conceito único e sua capacidade de combinação para representar o conhecimento que o homem tem do mundo que, desde Ranganathan, pode ser considerado como o elemento característico dos sistemas de classificação. Isto pressupõe a disponibilidade das expresões da linguagem natural para sua descrição (plano verbal) e utiliza notações para sua representação em uma forma semiótica.

A segunda contribuição de Ranganathan à moderna teoria da classificação é a sua abordagem analítico-sintética para a identificação dos assuntos. Isto implica em que a classificação de cada documento exige uma análise de seu título ou um enunciado descritivo de seu conteúdo nos termos dos conceitos que formam os componentes da ciência à qual esse documento pertence. Após a análise e a orientação desses elementos nas chamadas facetas (que são representativas dos tipos de conceitos em áreas especializadas do conhecimento), é possível sintetizá-los em expressões combinatórias que formam a classe, construída analitico-sinteticamente, de um determinado tópico de documento. Tudo isso é realizado segundo as fórmulas de facetas mencionadas acima, e sua fórmula generalizada, a sequência PMEST (Personalidade, Matéria, Energia, Espaço e Tempo). Isto serviu para:

  1. a representação dos assuntos, e
  2. a ordenação dos conceitos de uma disciplina em classes formais, de acordo com as categorias existentes nessa disciplina.

A terceira grande contribuição de Ranganathan pode ser vista em seus 18 princípios para o arranjo de elementos das facetas de uma maneira repetível; são seus "princípios para sequência útil". Estes princípios, muito claramente delineados, podem também ser considerados como um instrumento proveitoso para a avaliação de sistemas de classificação.

4. A INFLUÊNCIA DE RANGANATHAN

Uma justa estimativa da influência de Ranganathan deveria considerar muito mais seu trabalho do que apenas as contribuições mencionadas acima, sem esquecer sua Classificação dos Dois Pontos (11), que pode ser vista hoje como um modelo para um novo sistema universal de classificação facetada.

Após a Segunda Guerra Mundial, seu sistema e os "Prolegomena" tornaram-se mais amplamente conhecidos no mundo ocidental, particularmente na Inglaterra, onde a elaboração de sistemas de classificação facetada para áreas especializadas do conhecimento tornou-se muito comum a partir da década de 1950.

No início da década de 1940, quando o desenvolvimento de tesauros começou a tomar forma, a contribuição inglesa para a confecção de tesauros resultou no Thesaurofacet (15).

Esses sistemas de classificação facetada foram elaborados com e sem formulas de facetas e de citação. Em geral, essa contribuição de Ranganathan foi considerada como um limite demasiadamente inflexível para a expressão dos assuntos. B. C. Vickery (16) propõe uma ordem de citação padronizada que permitiu maior flexibilidade e, ao mesmo tempo, maior generalidade, e que contém os seguintes elementos:

Coisa/Parte/Propriedade/Processo/Operação/Agente

As discussões sobre esses problemas ainda não terminaram. As questões relacionadas com uma apresentação sintática ordenada de frases para expressar o assunto contido nos documentos também estão incluídas no sistema de indexação por linguagem livre chamado PRECIS, de D. Austin. Ele utiliza alguns "Operadores de Função"(role operators) (17, p. 92) para a identificação dos elementos sintáticos de suas frases e sua representação no ïndice de assuntos da British National Bibliography, bem como em outros serviços de informação que já adotaram esse sistema.

5. PESQUISAS DAS RELAÇÕES ENTRE CONCEITOS

Ao se considerar as estruturas classificatórias do ponto de vista analítico - o que se tornou possível através da elaboração consciente de facetas com base em categorias de conceitos - compreende-se a necessidade de aclarar os elementos categoriais dos sistemas de classificação. Um estudo deve ser mencionado aqui como texto fundamental para pesquisas ulteriores: é o livro de E. de Grolier "Um estudo das categorias gerais aplicáveis à classificação e codificação em documentação" (18,) que contém uma coleção e apresentação detalhada de todas as categorias gerais dos mais importantes sistemas de classificação universal, bem como de alguns especializados quer representadas nos auxiliares quer nas classes principais. O autor também relaciona todas as propostas de elementos sintáticos que foram feitas em sistemas recentes, como tipos de representações de categorias encontradas na linguagem natural.

Na época desse estudo, J. C. Gardin e seu grupo, também na França, trabalhavam na elaboração do SYNTOL (Syntagmatic Oriented Language), que permitiria uma indexação sintática com o auxílio do computador (19).

Na Inglaterra, J. Farradane havia desenvolvido, em 1950, seu esquema de nove operadores que deveriam servir como indicadores de relações para a expressão de seus chamados "analetos" (dois ou mais conceitos combinados por um operador para formular um enunciado mais informativo sobre o conteúdo de um documento, em vez de utilizar um só termo ou termos não relacionados). (20)

Nos Estados Unidos, especialmente no antigo Centro de Pesquisas em Documentação e Comunicação (CDCR) em Cleveland, Ohio, realizaram-se perquisas sobre a aplicação de indicadores de funções (roles) no sistema da Western Reserve University para indexação de literatura metalúrgica, e foram desenvolvidos mecanismos que mais tarde influenciaram o sistema de elos (links) e funções difundido pelo Engineers Joint Council (EJC). (21)

Ainda nos Estados Unidos, J. Perreault desenvolveu um esquema filosófico de cerca de 108 relacionadores, publicado em 1962 (22). Esses relacionadores eram destinados a servir como elementos sintáticos juntamente com os elementos de qualquer sistema de classificação.

O coroamento de todos esses movimentos foi uma conferência sobre fatores relacionais em classificação, organizado por J. Perrault em Maryland, em junho de 1966, que recebeu contribuições de todos os autores mencionados acima, inclusive Ranganathan (23). Nessa ocasião, D. Soergel apresentou um trabalho contendo um estudo enciclopédico e as correlações de todos os tipos de indicação de relacionamento (24). Porém, nenhuma solução foi encontrada nessa conferência para os problemas de relações conceituais. Como afirmaria Grolier: "Ainda necessitamos mais pesquisas"(23, p. 396).

Na maioria das instituições, as pesquisas neste campo cessaram, principalmente porque o processamento da literatura por computador estava se tornando, ano a ano, menos dispendioso e mais rápido, e muitos começaram a acreditar na indexação automática. Alguns estudos - especialmente os de Sinnet (25), de Montague (26) e de Lancaster (27) - pareciam provar que o uso de processos sintéticos não era muito útil à indexação coordenada.

Entretanto, com o aumento da quantidade de literatura documentada, já se nota uma insatisfação crescente com a má qualidade de informação fornecida por muitas das grandes bases de dados. Com base em qual teoria seria possível obter melhores resultados na recuperação?

Graças à construção de tesauros e à determinação consciente de relações entre conceitos, bem como a algumas novas pesquisas sobre a teoria analítica de conceitos (28) (29), talvez possamos afirmar que atingimos hoje uma melhor compreensão da natureza dos conceitos. Essa teoria dos conceitos implica em que os conceitos são sínteses rotuladas de enunciados verdadeiros sobre objetos do pensamento: esses enunciados - asserções - levam ao reconhecimento ou à separação das características dos conceitos que também podem ser consideradas como os elementos dos conceitos. As relações entre os conceitos podem portanto ser definidas pela posse comum de certas características em conceitos diferentes. Os tão conhecidos tipos de relação, tais como:

  • relação gênero/espécie
  • relação de partição (todo/parte)
  • relação de oposição
  • relação funcional

podem agora ser explicados (i. e, com o auxílio dessa teoria) devido aos elementos dos conceitos, a seu conjunto de características compreensivas. Assim, categorias às quais os conceitos pertencem podem ser determinadas pela última predicação possível sobre um certo objeto do pensamento. Por conseguinte, pode-se distinguir os seguintes tipos de conceitos, de acordo com as formas categoriais últimas de suas características:

  • conceitos de relação entre objetos
  • conceitos de relação entre fenômenos
  • conceitos de relação entre processos
  • conceitos de relação entre propriedades
  • conceitos de relação entre relações
  • conceitos de relação entre dimensões,

bem como combinações entre eles. Com essas categorias, temos à nossa disposição um instrumento intelectual para a organização de conceitos não só em uma sistematização geral dos elementos do conhecimento mas também em qualquer uma de suas áreas.

Essa teoria analítica de conceitos também torna possível a explicação das relações chamadas "paradigmáticas" e "sintagmáticas", introduzidas por J. C. Gardin em analogia ao significado desses termos na literatura moderna (30). As relações paradigmáticas são aquelas existentes em sistemas de classificação, e as sintagmáticas aquelas que ocorrem nas frases compostas de elementos do sistema de classificação psra a descrição do conteúdo dos documentos. Esses dois tipos de relação podem agora ser compreendidos como dependentes de tipos de conceitos e de tipos especiais de relações entre esses conceitos: as relações paradigmáticas ocorrem nos conceitos de relação gênero/espécie, todo/parte e de oposição, e as sintagmáticas nos conceitos de relação funcional.

Esses dois tipos de relação podem existir não só em sistemas de classificação mas também em frases classificatórias livres ou facetadas, não estando restritos a nenhuma delas, como já havia sido observado por D. Soergel (31.) A seguir, damos alguns exemplos dos tipos de relação mencionados:

a) relação gênero/espécie

objetos tipos de objetos tipos de tipos de objetos árvores árvores frutíferas macieiras, pereiras árvores de nozes nogueiras, castanheiras

b) relação todo/parte

todo parte árvores raízes, caule, ramos, folhas, etc.

c) relação de oposição

altura - profundidade numérico - não numérico

d) relação funcional

doação - presente - casamento datilografia - trabalho - conferência

Pode-se facilmente observar que esses tipos de relação ocorrem na maioria das vezes em tipos especiais de conceitos; assim, a relação gênero/espécie aparece geralmente em conceitos que denotam objetos ou abstrações, embora também apareça em conceitos que denotam processos e propriedades. A relação de partição também ocorre, na maioria dos casos, em objetos, uma vez que estes podem ser separados em suas partes; naturalmente, essa relação também é aplicável em casos como o da divisão de uma área do conhecimento nas facetas que a compõem. A relação de oposição geralmente é encontrada em conceitos que denotam propriedades, e a relação funcional em conceitos que denotam ações ou processos e seus complementos necessários ou facultativos.

Este último fato, entretanto, é também a razão pela qual essa relação aparece mais frequentemente na organização sistemática de conceitos numa frase, e mais raramente nas hierarquias de uma organização paradigmática de um sistema de classificação. O número de complementos numa determinada frase, que expressem uma relação funcional, poderia ser aumentado a fim de incluir outras informações, possíveis ou necessárias, como por exemplo: condições especiais, finalidadde de uma ação, motivo de alguma coisa, agente, lugar e tempo. Geralmente, a quantidade necessária de tais complementos é determinada pela valência de um verbo especial na predicação de uma frase, de um enunciado, de um sujeito; a quantidade facultativa depende de certas circunstâncias que podem ser mencionadas para dar mais concretitude à informação em questão. Portanto, também é possível construir, sobre novas bases, a fórmula para a ordem de citação: já não é mais necessário que tal fórmula comece com o conceito mais concreto e termine com o mais geral, como por exemplo, começar com os objetos/coisas e terminar com "tempo", considerado como "o conceito mais geral".

Os conceitos, da forma como são representados consecutivamente no enunciado de um assunto, seguem de preferência o modelo de estrutura de uma oração na voz passiva, em que o objeto aparece na primeira posição, o predicado na segunda, e os complementos nas posições seguintes. Com as indicações de espaço e de tempo com a colocação no fim de um enunciado, podemos atingir a maior concretitude e individualidade possíveis do enunciado (ou da informação). Geralmente, a quantidade total de complementos de um verbo é limitada à

  • valência "natural" do verbo no predicado em questão ("funcionalidade" das características de seu conceito)
  • maneira necessária de formar e ampliar aenunciados para abranger os detalhes necessários à informação em um determinado caso.

6. CONSEQUÊNCIAS NECESSÁRIAS DA TEORIA CONCEITUAL ESBOÇADA

Baseados nas pesquisas descritas acima, encontramo-nos aptos a aplicar os princípios da organização de conceitos, de várias maneiras, ao reconhecimento, à construção e à utilização de sistemas de classificação. Resumindo, podemos dizer que a teoria da classificação, hoje, abrange

  • o reconhecimento do conceito como elemento material dos sistemas de classificação
  • a aplicação de uma teoria analítica de conceitos para a representação do conhecimento ou da informação.

Podemos ver pelo menos três consequências dessa nova abordagem teórica da classificação, já que podem ser utilizadas para:

a) a avaliação dos sistemas de classificação existentes;

b) a construção de novos sistemas com agrupamentos ou arranjos previsíveis;

c) a formalização de enunciados sobre o conteúdo de documentos; tais enunciados podem ser pesquisados com consistência, quer manualmente quer por computador, a partir de estruturas de sentenças pré-determináveis.

Com o auxílio da teoria de categorias de conceitos, os sistemas de classificação podem ser elaborados muito mais objetivamente do que antes. Até agora, havia duas abordagens para a construção de sistemas de classificação:

  • abordagem dedutiva - subdivisão de um universo do conhecimento em disciplinas (abordagem global). utilizada pelos sistemas gerais de classificação conhecidos até o momento;

  • abordagem indutiva - construção de sistemas de linguagens de descritores a partir de termos e seus conceitos mais genéricos e mais específicos (abordagem de elementos), que constitui os tesauros.

Ambos os tipos de abordagem são altamente sujeitos à subjetividade, uma vez que tanto a subdivisão de um universo como a determinação de termos genéricos, específicos e relacionados dependem muito do conhecimento das pessoas e dos objetivos variáveis de um sistema de informação. Entretanto, uma terceira abordagem - relacional - parte de um aspecto formal, de um aspecto categorial. Um sistema baseado na abordagem relacional é fácil de ser construído, reconhecido e utilizado.

Além do mais, hoje em dia, sua estrutura é respeitável, e portanto pode ser aceita mais facilmente. Esta abordagem garante, pois, uma maior objetividade.

7. PESQUISA E DESENVOLVIMENTO FUTUROS EM CLASSIFICAÇÃO

A existência, hoje em dia, de uma teoria da classificação capaz de explicar uma quantidade de fatores anteriormente desconhecidos, ou conhecidos apenas intuitivamente, não significa que novas pesquisas sejam desnecessárias. Possuímos, pelo contrário, agora os instrumentos que nos permitirão avaliar os sistemas de classificação existentes, determinar com exatidão o que era certo ou errado, e saber como os sistemas de classificação podem ser aperfeiçoados.

Recentemente passei por uma experiência muito estimuladora quando, ao final do curso sobre teoria da classificação que ministrei no curso de mestrado do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), pude examinar os trabalhos finais dos alunos. O trabalho consistia em analisar comparativamente uma área do conhecimento nos sistemas de classificação existentes (Classificação Decimal de Dewey, Classificação Decimal Universal, Classificação da Library of Congress, Classificação dos Dois Pontos). Vinte e oito áreas distintas foram investigadas (33). A análise deveria ser tanto quantitativa (considerando números de classes nos diferentes níveis de abstração, e a localização em seus termos nos diferentes sistemas) quanto qualitativa (considerando os tipos de relação encontrados bem como os tipos de regras aplicadas na organização do sistema). Após a análise, cada aluno deveria propor uma nova classificação facetada para a área investigada, bem como uma ordem de citação para a sequência dos elementos de um enunciado classificatório (o classato). Parte dos sistemas propostos foram excelentemente elaborados. Por conseguinte, pode-se supor que, com a aplicação dos princípios estabelecidos e com o auxílio de especialistas treinados no assunto, será possível elaborar novos sistemas de classificação que não só serão mais flexíveis (e portanto melhores para a expressão de novos conhecimentos), mas também serão mais facilmente aceitáveis pelas comunidades profissionais.

Novas pesquisas deveriam agora ser orientadas para:

a) análises de conceitos, especialmente combinação de conceitos;

b) análises de valência dos verbos nas diferentes línguas e em diferentes áreas do conhecimento, que resultem no estabelecimento de fórmulas para ordem de arquivamento e de citação;

c) tipologia das estruturas de frases classificatórias;

d) comparações entre conceitos com o auxílio de definições, inclusive problemas de estrutura e de estruturação de definições;

e) metodologia para o estabelecimento de tabelas de correlações entre conceitos em diferentes áreas do conhecimento; estrutura de léxicos intermetiários;

f) determinação de estruturas sintáticas notacionais para a formação de representações expressivas de conceitos, juntamente com seus complementos necessários e facultativos;

g) identificação de problemas organizacionais e relacionados com os usuários, na apliação de enunciados e elementos classificatórios; quais os casos em que se necessita um acesso mais genérico, ou mais apurado, ou o mais preciso possível?

Além de trabalhos mais avançados na pesquisa de classificação, dever-se-ia desenvolver uma nova consciência geral das potencialidades da classificação sobretudo no interesse da economia não só intelectual como também material. Recentemente foram divulgados resultados de pesquisas em biologia molecular segundo os quais a capacidade de programação de um conjunmto complexo de cromossomas não é tão grande a ponto de que um dos muitos bilhões de células somáticas possa ser pré-programada no gene de uma célula germinativa; isto significa que as células devem ser geradas uma das outras de acordo com um princípio de estrutura hierárquica (34). Portanto, se a própria natureza parece utilizar recursos hierárquicos em seus processos, por que esses princípios deveriam ser abandonados em nosso mundo macroscópico de estruturas do conhecimento? Por que muitos sistemas de informação continuam utilizando termos de indexação indefinidos e não relacionados para análise de assuntos? Deveríamos realmente desperdiçar nosso tempo e nossa capacidade com instrumentos tão inferiores, apenas por causa da inadequação dos antigos sistemas de classificação em vigor?

Em consideração à constribuição feita à humanidade por Melvil Dewey - homenageado hoje nesta Conferência - cujo sistema auxiliou, em nível mundial, o aperfeiçoamento do acesso ao conhecimento, devemos agora empenhar-nos para que haja uma melhor compreensão e aplicação dos princípios da classificação.

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fonte:http://www.conexaorio.com/biti/dahlbergteoria/dahlberg_teoria.htm