segunda-feira, dezembro 07, 2015

Mercado Editorial - O triste fim da Cosac Naify

 Na última semana nos deparamos com uma triste notícia do meio cultural. Charles Cosac, fundador da editora Cosac Naify, que há quase 20 anos publica livros clássicos, acadêmicos e de arte, anunciou sua decisão de fechar as portas. A declaração, feita ao “Estado de S. Paulo” antes mesmo de um aviso aos executivos da empresa e aos seus funcionários, veio se somar a uma série de más notícias dos últimos anos no setor cultural. No âmbito nacional, vimos fechar a revista “Bravo!”. Já Belo Horizonte vive às voltas com uma série de fechamentos de salas de teatro, como o Klauss Vianna, e o colapso das leis de incentivo, que ameaçam iniciativas como o festival de cinema Indie. Agora, o anúncio do fim da Cosac Naify causou uma comoção impressionante nas redes sociais, com gente de todas as áreas deixando manifestações de tristeza, revolta e decepção com o fechamento do que entendem ser um exemplo de empresa cultural.

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A reação não só é compreensível, como adequada. Em um mercado fechado e que parece se esquivar de qualquer novidade, a editora conseguiu emplacar, apesar dos preços salgados, obras que unem conteúdo textual e primor visual com uma atenção aos detalhes sem igual. Seus produtos rapidamente se tornaram objetos de desejo, e não faltam profissionais que choram não só o fim de suas publicações, mas também a extinção da possibilidade de um dia trabalhar em um local que dá tanto valor à criatividade.

Eu também lamentei a notícia. Mais uma editora dedicada ao fim da mesmice cultural acaba. Apesar disso, me vejo obrigada a questionar se esse confuso fim da Cosac Naify é digno da tristeza que vi brotar na última semana. Afinal de contas, não foram somente declarações de amor que pipocaram na internet. O luto coletivo pelo fim da empresa gerou grupos de protesto e petição online para tentar reverter a situação. Iniciativas ignoradas pelo dono da empresa, que deixou claro que a fecha não porque está falindo, mas porque não criou “a editora para recauchutar obras em domínio público”. “Quero que ela termine como começou, não gostaria que ela entrasse em decadência”, disse ao jornal.

De certa forma, a frase de Charles Cosac resume um dos grandes motivos pelo qual vemos o fim de tantas empreitadas culturais: há uma crença de que a realização de um sonho dispensa um modelo de negócios sustentável. O sonho de Cosac era criar uma editora que publicasse obras intelectuais de qualidade superior, com texto primoroso e acabamento requintado. Mas não basta ter uma boa ideia e um coração corajoso o bastante para concretizá-la. Para que a empreitada dê certo, é preciso que ela seja, em algum momento, financeiramente sustentável. E é impossível fazer isso sem tocar o público. Enquanto Cosac se debruçava em “produzir monografias para divulgar a produção contemporânea brasileira”, o que os leitores queriam mesmo era uma tradução bem-feita de “Moby Dick” com uma capa linda. Em resumo, ele se esqueceu de que toda empresa, mesmo aquelas que representam a expressão artística mais pura, ainda é um negócio, e tem que sobreviver como tal.

Trabalhar com música, literatura, artes plásticas, dança, teatro e tantas outras expressões é a realização de um sonho para muita gente. Mas, se queremos que a nossa cultura se fortaleça e seja capaz de resistir bravamente às piores crises (e outras virão, não tenha dúvidas), é preciso começar a aceitar que fazer cultura não é só viver o sofrimento e a catarse da criação artística. É, também, praticar as menos desejadas artes da contabilidade, da pesquisa de mercado e da estratégia de vendas. Sem isso, não há sonho que resista à implacável conta no fim do mês.

Flávia Denise o tempo

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