segunda-feira, novembro 28, 2005

Viagem fantástica

Equipamentos de alta tecnologia permitem aos médicos "entrar" no corpo humano. Por Laila Mahmoud

Viajar pelo corpo humano e adquirir imagens muito mais precisas, nítidas, de maneira mais rápida e com muito menos esforço do médico, e do paciente, que não precisa mais passar por procedimentos invasivos, como cateterismo, para ser examinado. Poder filmar seu bebê dentro do útero e exibir o DVD para ele anos depois, fazer um exame para comprovar a eficácia de uma operação antes mesmo de terminar o procedimento cirúrgico e até mesmo identificar um câncer antes mesmo de ele ter se manifestado. Tudo isso não é mais sonho do futuro.

De desfibriladores portáteis a poderosos e enormes tomógrafos computadorizados com uso de pósitrons (PET-CTs), aparelhos de ressônancia magnética e de ultra-sonografia, instrumentos capazes de gerar imagens inacreditáveis (veja nossa galeria no link ao lado) e facilitar a vida de médicos e pacientes, reduzindo custos e melhorando seu conforto estão hoje disponíveis no mercado de equipamentos médicos. Um mercado que movimenta mais de R$ 5,35 bilhões anualmente no mundo, segundo a Associação Brasileira da Indústria, Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (ABIMO).

Isso não significa que tais máquinas sejam baratas. Ainda assim a Philips, uma das principais empresas a trabalhar com equipamentos médicos no País, focou seus negócios em sua unidade responsável por esses produtos. Segundo Denis Pilon, gerente da área de tomografia computadorizada da empresa, uma das áreas que mais despontam é a de medicina nuclear, que inclui os equipamentos híbridos que misturam sua tecnologia com a de pósitrons, os PET-CTs.

Mas o que significam essas siglas? Para traduzi-las, é mais fácil explicar do que essas máquinas são capazes. O modelo mais avançado da empresa nessa área, por exemplo, o CT Brilliance 64, é um tomógrafo computadorizado (CT – Computer Tomography). Como todas as demais tecnologias, são ainda muito poucos no País e nenhum ainda em hospital público. Também pudera: um desses não sai por menos de US$ 1,5 milhão. Capaz de gerar imagens do ser humano a partir da injeção de um contraste, tem no número 64 de seu nome uma alusão ao número de “fatias” (slyces, em inglês) que ele consegue fotografar do corpo humano para, a partir delas, compor uma imagem do seu interior.

Segundo Hamilton Monteiro, responsável pela área de medicina Nuclear e PET da empresa, todas as imagens são feitas em 4 segundos, uma evolução enorme em comparação com os anteriores 30 segundos que precisavam para serem feitas. Nesse período do exame, o paciente tinha de prender a respiração para que a imagem saísse estática. Para pessoas mais idosas ou debilitadas, o avanço foi enorme.

Os ganhos não param por aí. Até os médicos agora não precisam ser especialistas em computação gráfica para que possam visualizar em um monitor, sem precisar imprimir, as imagens resultantes dos softwares de pós-processamento. Agora, bastam dois eu três cliques para ver as imagens em 4D (ou seja, em 3D, com densidade e em tempo real) e a cores, economizando impressão e evitando possíveis lesões por esforços repetitivos (LER) para o profissional.

As maiores conquistas do avanço dos equipamentos de ressonância magnética e de tomografia computadorizada com uso de pósitrons, que fazem diagnóstico por imagem, estão relacionadas à prevenção de doenças e à possibilidade de analisar o organismo humano durante uma cirurgia ou um tratamento. No caso do tratamento de oncologia, a revolução é que não é mais necessário esperar que a irregularidade no funcionamento das células gere alteração de tecidos. Com o uso de um material composto em parte de glicose, mede-se a alteração do consumo da substância e, portanto, do metabolismo do paciente. “O órgão não precisa mudar de forma”, explica Monteiro.

O procedimento impede também que, caso o nódulo ainda esteja inativo no paciente, a quimioterapia seja aplicada. “O PET vai impedir tratamentos danosos que não vão funcionar. No futuro, ele vai fazer uma economia de bilhões de dólares no mundo todo”, prevê o radiologista Tito Mundin, diretor de um dos mais modernos Centros de Diagnósticos por imagem do País, em Brasília, a Clínica Vilas Boas. Isso porque esses não são procedimentos baratos.

O dr. Mundin pode falar bem sobre o tema: recentemente adquiriu um tomógrafo computadorizado por emissão de pósitrons PET-CT Gemini para seu centro de diagnóstico, além de um tomógrafo computadorizado Brilliance Multislyce 64. Hoje sua clínica tem, entre outros equipamentos de altíssima tecnologia, quatro aparelhos de ressonância magnética, dois de tomografia computadorizada, 2 de mamografia digital (1 de diagnóstico e 1 de biópsia) e 7 workstations para manipulação de imagens. Outra das últimas aquisições de sua clínica foram uma ressonância magnética no valor de US$ 1,2 milhões, de 1,5 Teslas para análises do sistema nervoso central, espectroscopia de próstata e biópsia.

Segundo ele, identificar precocemente e detectar qual tratamento será eficaz na oncologia são fundamentais: “Hoje o câncer é a doença que cada vez aumenta mais”, diz.

De acordo com o dr. Mundin, hoje nos EUA há 1000 PET-CTs em funcionamento, enquanto no Brasil há apenas dois no RJ e três em São Paulo. E por que não há mais? A grande questão é que o equipamento funciona utilizando um material chamado FDG-18 (flúor desóxido de glicose), cuja fabricação é vetada pela Constituição por se tratar de um material radioativo. “Isso é um entrave para o desenvolvimento da molécula”, critica o dr. Mundin, que avalia a produção, concentrada na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como lenta.

Nem por isso ele desiste de expandir a capacidade de seu centro. Sua idéia é suprir a demanda ainda reprimida adquirindo ele mesmo um ciclotron, aparelho que produz o FDG e outras substâncias radioativas utilizadas em pesquisas e exames, tais como uréia e oxigênio radioativos, e instalá-lo em sua própria clínica. O argumento é irrefutável: todas as substâncias em questão possuem meia vida muito curta. E o plano é começar a produção e depois recorrer judicialmente para regularizar a utilização. Iniciar a produção vai custar, segundo sua própria estimativa, entre US$ 400 mil e US$ 500 mil, contando estrutura de tecnologia da informação, equipamento e instalação. É mais de 20% dos US$ 2,3 milhões que ele pretende investir para o não que vem na clínica.

Sem bisturi, sem internação Outra das maiores conquistas da tecnologia que “fatia” o corpo humano para fotografá-lo, a tomografia computadorizada, é a de ser uma substituta de uma cirurgia à qual era submetido o paciente para saber de seu estado de saúde: a angiografia (estudo dos vasos). Ela consistia em inserir um cateter no organismo por um corte de 2 a 3 cm de largura próximo à prega do cotovelo ou pela virilha, escolher um vaso sanguíneo que será percorrido até chegar o coração e, por meio de um contraste radiológico e um aparelho de raio-X, visualizar os vasos e cavidades do coração. O procedimento, ainda que simples, chegava a exigir a internação do paciente por um dia inteiro. Hoje, com os aparelhos mais modernos, o procedimento total de leitura, leva 7 segundos ao todo e não precisa de corte nenhum.

“Fiz cateterismo por 20 anos. Com a tomografia multislyce, a angiografia é feita em questão de segundos, só com uma injeção na veia”, afirma o radiologista. Ele completa que também na colonoscopia (estudo do intestino grosso) não é mais necessária a introdução de um equipamento com a câmera, o que trazia o risco de perfurar o intestino.

Mas a “estrela do momento” mesmo, segundo o dr. Mundin, é o estudo do coração. “[Com esse aparelho] você vê as artérias coronárias em 7 ou 8 segundos, tanto por dentro quanto por fora, enquanto o cateterismo só via a luz do vaso, o luminograma. Com isso, podemos ver placas de gordura, calcificação, toda a área do infarto e a parede do coração, sem expor o paciente a riscos”, explica. O equipamento que adquiriu custou US$ 1,45 milhões, segundo o dr. Tito, embora a fornecedora divulgue o preço de mercado em US$ 1,7 milhão. Só há mais um equipamento no País como seu recém adquirido PET-CT de 64 canais e fica no Centro de Diagnóstico por imagem, no Rio de Janeiro.

A Philips afirma que os negócios vão bem. Seu faturamento mundial foi, em 2004, de US$ 350 bilhões, sendo que um quinto (US$ 7,7 bilhões) vinha da área. Seu volume de equipamentos importados quadruplicou no ano passado e já está sendo finalizada a negociação de cinco máquinas de última geração. “O Brasil tem um grande potencial de negócios”, explica Pilon. “Elas estão restritas apenas a grandes centros pelo custo, mas a tendência é que vão se tornando mais acessíveis”, explica.

Já a Siemens, outra fabricante cuja unidade de equipamentos médicos cresce 6% ao ano, e investe R$ 108,3 milhões, correspondente a 6% do faturamento da sua área médica em 2004 (R$ 1,8 bilhões). Também interessada no mercado de produção de FDG, a empresa já vendeu recentemente um tomógrafo Somaton Sensation Cardiac 64 para o Hospital Sírio Libanês, um tomógrafo computadorizado Biograph 16 para o Hospital do Coração, em São Paulo, e tem um Magneton Trio, instalado no Hospital Sarah Kubitscheck, em Brasília. Esse mesmo equipamento, junto de um aparelho de ressonância magnética Espree (especial para pessoas obesas) também foi vendido a um hospital de grande porte em São Paulo, cujo nome a Siemens não divulga.

A ABIMO estima que as exportações de equipamentos médicos esse ano devam aumentar 15% com relação ao ano anterior, chegando a US$ 365 milhões. As importações, contudo, ainda ganham: em 2004 foram US$ 980 millhões.

Para entender:

Positron: Tipo de radiação carregada pelo fármaco para dentro do órgão. Com a hiper ou hipocaptação, pode-se chegar a produzir as mesmas imagens coloridas em 3D para o médico. “Nela é importante a visualização espacial, para o médico saber a localização e o tamanho da patologia”, explica Hamilton Monteiro, da Philips. A maior aplicação dessa tecnologia ocorre na área de oncologia, em 80 a 90% dos casos. Averiguar se o miocárdio ainda pode sobreviver depois do infarto, e estudar casos de demência e distúrbios neurosensoriais são outras de suas utilizações.

Tomografia computadorizada: As fotos são feitas enquanto o paciente está em um “tubo”. Como ele ingeriu um contraste que absorve os fótons, é possível destacar as artérias do paciente em exames vasculares, por exemplo. A tomografia então “empilha” tais informações e gera uma espécie de réplica, enxergando o paciente por dentro.

Ultra-sonografia: Um transdutor passa pelo corpo do paciente, gerando ecos de som. Muito usado em obstetrícia, hoje gera imagens inacreditáveis, como se fossem fotografias tiradas de dentro da barriga da mãe (confira em nossa galeria de fotos)

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