sexta-feira, julho 28, 2006

o sonho da Biblioteca Universal na mão de uma Corporation...Oh yeah!!!

KEVIN KELLY* A tecnologia está pronta para abrigar num único acervo toda a produção cultural do planeta.
E isso já está acontecendo. Em centenas de escritórios espalhados pelo mundo, milhares de trabalhadores curvam-se sobre máquinas e colocam livros empoeirados sobre scanners de alta tecnologia.
Essas pessoas estão construindo, página por página, a biblioteca universal.
É um sonho antigo: acomodar num só espaço todo o conhecimento passado e presente.
Todos os livros, todos os documentos, tudo e em todas as línguas. Tal esperança soa familiar.
Há muito tempo vivemos, mesmo que por um breve instante, uma experiência semelhante.
A grande Biblioteca de Alexandria, construída por volta de 300 a.C., foi projetada para acomodar todos os pergaminhos que então circulavam pelo mundo.
Chegou a reunir cerca de 500 000 desses manuscritos.
Algo que pode ter representado entre 30% e 70% ¹ da produção existente na época.
Mas, mesmo antes de essa coleção se perder, o instante em que todo o conhecimento poderia ser armazenado em um único prédio havia sido superado. Desde então, o ritmo de expansão do volume de informações extrapolou nossa capacidade de contê-las.
Durante 2 000 anos, a biblioteca universal – ao lado de aspirações que já parecem nostálgicas, como mantos da invisibilidade, sapatos antigravidade e escritórios sem papel –
perdurou como um sonho mítico, que reflui sobre um futuro infinito. Até agora, porém. Em dezembro de 2004, quando o Google anunciou que iria digitalizar o acervo de cinco grandes bibliotecas, a promessa do acervo universal foi ressuscitada. Na verdade, o explosivo crescimento da web, que foi do nada a tudo em apenas uma década, nos encorajou a acreditar no impossível – novamente.
E será que o acesso a esse acervo mundial realmente está ao nosso alcance?
Brewster Kahle, bibliotecário responsável por um desses projetos de digitalização, acredita que sim. E diz: "Isso é realmente possível com a tecnologia atual, não a do amanhã. Podemos tornar todos os trabalhos da humanidade acessíveis a todas as pessoas do mundo. Seria um feito lembrado para sempre, como foi a chegada do homem à Lua".
Ao contrário das antigas bibliotecas, restritas a elites,
esse modelo digital seria plenamente democrático... Mike Segar/Reuters Biblioteca Pública de Nova York: acordo com o Google
para digitalizar parte do acervo de 20 milhões de livros A tecnologia de digitalização por meio de scanners está disponível há décadas, mas livros digitalizados não faziam muito sentido até recentemente, quando se firmaram sites de busca como Google, Yahoo!, Ask e MSN. É a tecnologia dessas empresas que tornará essas obras disponíveis na rede. E por que só pensar em textos?
A biblioteca universal deveria incluir cópias de pinturas, fotos, filmes e músicas.
Deveria ainda abranger as transmissões de rádio e TV já realizadas, além dos comerciais.
E por que deixar de lado justamente a web?
A grande biblioteca precisa de uma cópia dos bilhões de páginas da rede e das dezenas de milhões de blogs – a literatura efêmera do nosso tempo. Essa é uma biblioteca muito, muito grande, mas, graças à tecnologia digital, você será capaz de olhar para dentro dela a partir de qualquer aparelho equipado com uma tela.
Das tábuas de argila dos sumérios até hoje, os humanos "publicaram" ao menos 32 milhões de livros, 750 milhões de artigos e ensaios, 500 milhões de imagens, 500 000 filmes, 3 milhões de vídeos, shows de TV e curtas, além de 100 bilhões de páginas na web.
Uma vez digitalizado, esse material pode ser comprimido em um espaço de 50 petabytes de disco – isso usando a tecnologia atual. Hoje, precisamos de um prédio do tamanho de uma modesta biblioteca para arquivar 50 petabytes. Com os recursos do amanhã, um iPod será suficiente. Quando isso acontecer, a biblioteca das bibliotecas vai passear no seu bolso – isso se não for diretamente plugada no seu cérebro. Algumas pessoas desejam morrer antes de essas coisas acontecerem. Outras, jovens na sua maioria, querem saber por que estão demorando tanto. A tecnologia acelera a migração de tudo o que conhecemos para o universo dos bits.
Hoje, já devemos pensar em fotos digitais. Quase 100% de toda a música contemporânea já foi digitalizada, muitas delas por seus fãs. Cerca de um décimo dos 500 000 filmes listados no Internet Movie Database (IMDB) está disponível em DVD.
Mas, por causa de entraves de direitos autorais e da necessidade física de virar as páginas, a digitalização dos livros avançou lentamente.
Em média, apenas um em vinte livros migrou do mundo analógico para o digital.
No momento, é preciso reconhecer, a biblioteca universal é uma biblioteca sem muitos livros. Mas isso está mudando rapidamente. Empresas estão escaneando 1 milhão de obras por ano.
A Amazon digitalizou centenas de milhares de exemplares contemporâneos.
No coração do Vale do Silício, a Universidade Stanford realiza o mesmo trabalho com sua coleção de 8 milhões de títulos.
Para isso, usa um robô de última geração, fabricado pela companhia suíça 4DigitalBooks.
Essa máquina, do tamanho de um pequeno veículo utilitário esportivo, resolve um grande problema: muda, automaticamente, as páginas de cada livro que escaneia
(veja fotos). Fotos Thor Swift/NYT
Um trunfo da biblioteca universal: é o "robô" suíço que digitaliza 1 000 páginas por hora, mesmo de obras raras e delicadas. Depois de o livro ser colocado num gabinete (acima), as folhas são viradas automaticamente (acima)
À semelhança do que ocorre em outras áreas no mundo globalizado, o trabalho de digitalização pode ser feito a distância, enquanto dormimos. Estamos terceirizando a biblioteca universal.
A Superstar, empresa com sede em Pequim, escaneou todos os livros de 200 bibliotecas na China. Digitalizou 1,3 milhão de trabalhos, quase a metade de todas as obras publicadas em chinês desde 1949. O custo para escanear um livro em Stanford é de 30 dólares.
Na China, 10 dólares. Raj Reddy, professor da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, decidiu transferir uma biblioteca em inglês para onde os scanners são baratos. Em 2004, emprestou 30 000 volumes dos arquivos da instituição e os mandou para a China num contêiner.
O projeto, batizado de Million Book Project, avança à taxa de 100 000 páginas por dia em vinte "estações" de escaneamento na Índia e na China.
Reddy espera atingir 1 milhão de livros digitalizados em dois anos. A idéia por trás da biblioteca universal é semear livros pelo mundo em desenvolvimento.
Uma universidade pode expandir um acervo de 60 000 volumes para 1,3 milhão da noite para o dia. Isso por cerca de 50 centavos de dólar por exemplar digitalizado.
Bill McCoy, da Adobe, diz: "O impacto mais dramático das bibliotecas digitais se dará sobre os bilhões de pessoas que não têm acesso fácil a publicações em papel".
São pessoas como estudantes em Mali, cientistas no Cazaquistão.
Elas poderão ter a vida transformada quando puderem acessar mesmo que seja a versão mais simples da biblioteca universal. Mas isso não é tudo. Nas bibliotecas convencionais, os livros são itens isolados, independentes uns dos outros. Ali, cada publicação não toma conhecimento da outra.
O único movimento se dá quando um leitor pega a obra para animá-la com sua imaginação. Nesse contexto, a principal vantagem da biblioteca digital é sua portabilidade.
Mas isso ainda é pouco. A principal revolução propiciada pelo ato de escanear textos é fazer com que nenhum livro seja uma ilha. Transformar letras impressas com tinta em pontos digitais é apenas o primeiro – e essencial – passo a caminho da nova biblioteca. A real mágica acontece no ato seguinte, quando cada palavra de cada livro estiver linkada a outras, agrupada, citada, indexada, analisada, anotada, misturada novamente, reunida mais uma vez e entrelaçada de forma profunda.
Nesse novo mundo de textos, cada pedaço, cada bit informa o outro sobre sua existência; cada página vê todas as outras páginas. Isso é possível graças aos links e às etiquetas digitais (que remetem umas páginas às outras na internet). Talvez links e etiquetas sejam duas das mais importantes inovações dos últimos cinqüenta anos. Sua real energia transformadora emerge quando usuários clicam neles durante todos os dias ao surfar na web, sem perceber que cada clique "vota" em um link, elevando sua relevância na rede. Você pode pensar que está somente navegando, casualmente olhando uma página ou parágrafo, mas, a cada clique, você está marcando a web com migalhas de pão de atenção. Esses bits de interesse são coletados e analisados por engrenagens de busca para fortalecer a relação entre os pontos de cada link e as conexões sugeridas por cada etiqueta.
É um tipo de inteligência comum na web, mas estranha ao mundo dos livros. Há cerca de 100 bilhões de páginas na web e cada uma delas tem, em média, dez links.
Ou seja: há 1 trilhão de conexões na rede. Esse emaranhado de relações é precisamente o que dá à web sua imensa força. O mundo estático do conhecimento dos livros será transformado por esse aumento de relações assim que cada página de um livro descobrir outras páginas de outros livros. Digitalizadas, as obras deixam suas carcaças e se entrelaçam.
A inteligência coletiva de uma biblioteca nos permite ver coisas que não enxergamos em um livro sozinho, isolado. É por isso que, uma vez em formato digital, a leitura se torna uma atividade comunitária. Marcadores de textos podem ser divididos com amigos leitores.
Anotações feitas nas margens podem ser transmitidas e bibliografias, trocadas.
Você pode receber um aviso de seu amigo dizendo que ele marcou um trecho de uma obra que você adora. No instante seguinte, os links dele também serão seus.
De forma curiosa, a biblioteca digital se torna um texto muito, muito longo:
torna-se o único livro do mundo.
*Kevin Kelly, um dos fundadores da revista Wired, é autor de livros como Out of Controle Novas Regras para uma Nova Economia. Esse é o trecho de um artigooriginariamente publicado no jornal The New York Times. ¹ O autor esclarece que esses são os porcentuais fornecidos pelos acadêmicos.
Apesar de a diferença ser bastante ampla, não é incomum em estudos históricos que pesquisam época tão antiga.
Ei, e a TV digital ?! Corporation por que não...

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