A questão da igualdade é muito profunda, ela produz efeitos sociais diversos, assimetrias, injustiças, entre outras violências. Mas como criar um mundo justo democrático e sustentável é outros quinhentos.
Somos igualmente desiguais, o acesso a informação, o letramento informacional e a democratização do saber, são chaves para um mundo melhor. Nossa missão como profissionais da informação é ampliar esse limites e romper com essa barreiras artificias. Tecnologias como biblioteca repositórios, livros são ferramentas desa transformação diária em nossa sociedade. Héberle Babetto
"O importante é entender que um mundo menos desigual depende da mobilização e do trabalho conjunto de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e vários outros setores da sociedade. A construção de um mundo mais justo é uma tarefa coletiva, ainda que cada indivíduo possa e deva dar sua contribuição. Pensar e desejar um mundo menos desigual não é somente uma questão de esperança; é uma questão intrínseca ao que somos como seres humanos"
Somos igualmente desiguais, o acesso a informação, o letramento informacional e a democratização do saber, são chaves para um mundo melhor. Nossa missão como profissionais da informação é ampliar esse limites e romper com essa barreiras artificias. Tecnologias como biblioteca repositórios, livros são ferramentas desa transformação diária em nossa sociedade. Héberle Babetto
"O importante é entender que um mundo menos desigual depende da mobilização e do trabalho conjunto de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e vários outros setores da sociedade. A construção de um mundo mais justo é uma tarefa coletiva, ainda que cada indivíduo possa e deva dar sua contribuição. Pensar e desejar um mundo menos desigual não é somente uma questão de esperança; é uma questão intrínseca ao que somos como seres humanos"
Relatório anual do Credit Suisse revela que a concentração de renda no planeta está aumentando. Para a diretora da Oxfam Brasil, Kátia Maia, essa desigualdade prejudica a todos, inclusive aos mais ricos, citando, como exemplo, a violência.
Cerca de 1% da população mundial detém quase
50% da riqueza produzida no planeta. Os outros 99% dividem, em partes também
desiguais, os cerca de 50% restantes. A informação não é de uma organização
pequena ou que pudesse ser acusada de ter viés ideológico, mas, sim, de uma
instituição financeira respeitada mundialmente, o banco Credit Suisse. E, pior,
segundo o estudo, a concentração da riqueza está aumentando. A pesquisa levou
em conta dados patrimoniais de 4,8 milhões de adultos procedentes de mais de
200 países. Os números são estarrecedores. Uma sociedade tão desigual é viável
em longo prazo? O que esses algarismos significam em termos humanos? Por que se
chegou a tal ponto? O que fazer para mudar esta realidade?
Para responder essas e outras questões sobre o
assunto, a Ser Médico entrevistou a diretora executiva da Oxfam Brasil, a
socióloga Kátia Maia.
A sigla vem de Oxford e Famine (Oxford
Committee for Famine Reliefe/Comitê de Oxford para o Alívio da Fome). Trata-se
de uma confederação internacional de organizações, formada atualmente por 20
afiliadas operando em mais de 90 países, com o objetivo de desenvolver ajuda
humanitária e projetos para combater as desigualdades sociais no mundo.
Ser Médico – O banco Credit Suisse divulgou, em outubro último, seu
relatório anual (Global Wealth Report
2015) sobre a distribuição da riqueza global, apontando que a concentração
de renda no mundo e, portanto, as desigualdades sociais, aumentaram ainda mais
em relação ao estudo feito pela mesma instituição em 2014. Segundo o documento,
quase metade da riqueza do planeta está nas mãos de menos de 1% da população. O
que esses números significam em termos humanos?
Kátia Maia – A Oxfam Internacional lançou, em janeiro de 2014, o
relatório Working for a few (Trabalhando para poucos), que utilizou dados do relatório do banco Credit Suisse. As análises dos números são chocantes. Como
é possível conviver com o fato de que as 85 pessoas mais ricas do mundo são
donas do equivalente ao que a metade da população mais pobre do planeta tem?
Entre março de 2013 e março de 2014, essas 85 pessoas aumentaram suas riquezas
em 668 milhões de dólares diariamente! São números assustadores. Mais que isso,
eles expressam uma profunda injustiça sobre a qual o nosso planeta está
assentado. É inaceitável! É desumano! Num planeta onde mais de 700 milhões de
pessoas ainda passam fome, como é possível continuar com tamanha concentração
de riqueza? Essa desigualdade extrema reforça e alimenta outras desigualdades,
como as existentes entre homens e mulheres, entre brancos e negros.
Ser Médico – O que tem provocado esse aumento da
concentração de renda?
Kátia – Em outro relatório lançado pela Oxfam Internacional, em
outubro de 2014, chamado Equilibre o Jogo, que trata da desigualdade econômica extrema,
nós apontamos algumas causas e, em especial, destacamos dois motores econômicos
e políticos da desigualdade, que podem contribuir para explicar os extremos que
vemos hoje: o fundamentalismo de mercado e a captura do poder pelas elites
econômicas. Como demonstrou o economista francês Thomas Piketty, em O Capital no Século
XXI, sem a intervenção do
Estado, a economia de mercado tende a concentrar a riqueza nas mãos de uma
pequena minoria, fazendo com que a desigualdade aumente. Apesar disso, nos
últimos anos, o pensamento econômico tem sido dominado por uma abordagem
fundamentalista, que insiste na ideia de que o crescimento econômico só é
alcançado reduzindo a intervenção do Estado e deixando que o próprio mercado se
organize. Isso prejudica, principalmente, a regulação das atividades econômicas
e a tributação, necessárias para enfrentar a desigualdade. A influência e os
interesses de elites econômicas e políticas vêm, há muito tempo, reforçando a
desigualdade. O dinheiro compra influência política, que os mais ricos e
algumas empresas usam para consolidar ainda mais suas vantagens injustas e, em
alguns casos, até ilegais. Um exemplo é a incapacidade de muitos países em
reformar os seus sistemas fiscais para garantir uma progressividade na
arrecadação de impostos, de forma que os mais ricos paguem, proporcionalmente,
mais que os mais pobres.
Ser Médico – E no Brasil,
como a Oxfam vê a questão da concentração de renda?
Kátia – O Brasil apresenta avanços no enfrentamento da
concentração de renda, mas ainda insuficiente para que possamos sair do lugar
de destaque que ainda ocupamos no ranking da desigualdade mundial. Os programas
de distribuição de renda, como o Bolsa-Família, e o aumento do valor real do
salário mínimo nos últimos 15 anos foram fatores fundamentais para esse avanço.
Porém, ainda estamos longe de solucionar o problema. O País precisa de uma
reforma tributária que efetivamente possibilite a redistribuição de recursos
daqueles que têm mais para aqueles que mais precisam. Sabemos que quem tem mais
renda e patrimônio aqui paga menos imposto. Isso sem contar o tema da evasão e
sonegação fiscal. Ou seja, precisamos de justiça fiscal.
Ser Médico – A Oxfam tem
dados da concentração de renda no Brasil?
Kátia – O Brasil tem grande produção de dados estatísticos que
permitem dimensionar a desigualdade de renda. Mas a verdadeira desigualdade se
mede sobre a riqueza, e ela inclui patrimônio, não é só renda. Apenas
recentemente a Receita Federal começou a disponibilizar as informações sobre
patrimônio, provavelmente influenciada pelo trabalho de Piketty. A Oxfam Brasil
vai elaborar um relatório sobre desigualdades em nosso país, que deverá ser
lançado no próximo ano. Mas já podemos dizer que o Brasil ainda é um país
patriarcalista, machista e racista, e essa cultura se reflete nas instituições.
Por exemplo, na política fiscal, o nosso sistema tributário atual é extremamente
regressivo e recolhe a maioria dos impostos de maneira indireta e sobre o
consumo, enquanto a renda e o patrimônio são menos taxados. Proporcionalmente,
isso onera mais as famílias pobres, o que, consequentemente, onera mais os
negros e as mulheres. Esse modelo institucionaliza e perpetua a desigualdade. A
participação política também é extremamente influenciada pela nossa cultura
excludente e pelas elites econômicas. No Congresso Nacional, as mulheres e os
negros representam menos de 10% dos parlamentares, enquanto são mais de 50% da
população.
Ser Médico – Como a
desigualdade pode impactar o mundo?
Kátia – As desigualdades de gênero, raça e econômica, além de
serem eticamente inaceitáveis, afetam as economias do mundo, pois excluem
milhões de pessoas que poderiam estar contribuindo para a construção de uma
sociedade mais igualitária e não, como ocorre, vivenciando uma situação de
desagregação social. Essas desigualdades também prejudicam o crescimento
econômico, gerando uma “captura” da riqueza produzida e impedindo a construção
de uma sociedade mais justa baseada no bem-estar social. A desigualdade
prejudica a todos, inclusive aos mais ricos. Um exemplo disso é a violência.
Segundo o escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (Unodc), as taxas de
homicídios são quase quatro vezes mais altas em países com desigualdade
econômica extrema do que em nações mais igualitárias. Em última instância, a
desigualdade econômica extrema pode inclusive trazer ameaças aos regimes
democráticos. Com o poder econômico acumulado nas mãos de um pequeno setor da
população, a influência deste sobre o Estado passa a causar distorções no
sistema político e nas políticas públicas. Com isso, governantes se veem
submetidos aos interesses da minoria, e isso pode levar a grande insatisfação
social, gerando revoltas e conflitos.
Ser Médico – Esse cenário torna
mais difícil a missão da Oxfam, no sentido de buscar soluções para o problema
da pobreza e da injustiça?
Kátia – Sem dúvida. O aumento da desigualdade faz parte da nossa
agenda de trabalho. Em nossa visão, é impossível avançar no combate à pobreza
sem lutar contra as diversas desigualdades existentes que contribuem para a
perpetuação das injustiças.
Ser Médico – A Oxfam vê
alguma alternativa para mudar esse quadro?
Kátia – Seguramente existem alternativas. E elas passam pela
mobilização dos cidadãos, das organizações dos diferentes setores da sociedade,
e devem ser construídas de maneira democrática. A Oxfam defende algumas medidas
para contribuir com esse debate, entre as quais: a implementação de uma
política fiscal progressiva sobre a riqueza e a renda; o estabelecimento de
alternativas aos modelos de concentração de riqueza, renda e terras, oferecendo
dados e medindo a desigualdade nas avaliações de impacto das políticas
públicas; o fim à captura política e o estabelecimento da priorização dos
interesses da maioria sobre os privilégios de poucos; e a garantia da igualdade
de direitos e poder entre homens e mulheres, brancos e negros.
Ser Médico – Como a Oxfam atua para alcançar esses objetivos?
Kátia – A Oxfam atua em parceria e aliança com outras
organizações da sociedade civil, movimentos sociais, governos, empresas e
outros setores que buscam enfrentar e encontrar soluções para a pobreza e a
desigualdade, no âmbito nacional e/ou global. Nós temos uma abordagem baseada
nos direitos humanos e acreditamos que todas as pessoas têm o direito de
desenvolver seu potencial, de viver fora da pobreza e em um mundo menos
desigual. Nós atuamos em situações de emergência, nas quais é necessária a
ajuda humanitária, desenvolvemos programas e projetos de longo prazo e fazemos
campanhas para influenciar tomadores de decisão e a sociedade.
Ser Médico – Como e quando a Oxfam surgiu?
Kátia – A Oxfam surgiu na Inglaterra, em 1942, no contexto da
Segunda Guerra Mundial, para ajudar pessoas que estavam passando fome em países
europeus. Um grupo de cidadãos de Oxford resolveu pressionar os aliados para
quebrar o bloqueio na Europa e permitir o envio de alimentos para a Grécia e
Bélgica com o objetivo de aliviar a fome dos civis daqueles países. Naquela
época, o nome da organização significava Oxford Committee for Famine Reliefe (Comitê de Oxford para o Alívio da Fome). Nesses mais de 70 anos, a Oxfam cresceu e
ampliou sua área de atuação. Deixou de ser uma organização britânica para se
tornar uma confederação internacional, formada atualmente por 20 afiliadas
operando em mais de 90 países, com mais de 4 mil trabalhadores e um orçamento
anual próximo a 1 bilhão de euros. A Oxfam também ampliou sua forma de trabalho
inicial, focada em ajuda humanitária, passando a desenvolver programas e
projetos bem como campanhas. No Brasil, o primeiro apoio financeiro a projetos
ocorreu em 1958, e o primeiro escritório local foi aberto nos anos 60, em
Recife. Até 2014, a atuação no País se dava através das afiliadas de outros
países. A partir desse ano, foi criada a Oxfam Brasil, uma afiliada nacional
constituída no formato legal brasileiro de associação e estabelecida na cidade
de São Paulo. Ainda estamos terminando de compor nossa equipe multidisciplinar,
que deverá chegar a 17 funcionários até o final do ano. Iniciamos nossas
atividades com o público em 25 de novembro último, data da inauguração do nosso
novo escritório, quando colocamos no ar nossa página web (http://www.oxfam.org.br), retomando nossas atividades com mídias
sociais. Já temos um Conselho Diretor em fase inicial. Nos primeiros meses de
2016, estaremos com nosso Conselho Fiscal também em funcionamento.
Ser Médico – Como é feito o
financiamento da organização?
Kátia – O financiamento da Oxfam no mundo vem de diferentes
fontes. Em alguns países, os recursos são, na sua maioria, de contribuições
individuais mensais; em outros, de agências de cooperação de governos e
agências multilaterais, bem como de fundações privadas. Em praticamente todas
as 20 afiliadas, qualquer pessoa pode colaborar, seja com recursos financeiros,
com trabalho voluntário ou como ativista. Nesse período inicial, os recursos da
Oxfam Brasil são oriundos de outras afiliadas da Confederação. Estamos
começando as atividades de captação de recursos, prioritariamente por meio de
doadores individuais. Já para o próximo ano lançaremos campanhas e
consolidaremos nosso trabalho com outras organizações brasileiras que são
nossas parceiras. Esperamos ter um grande número de voluntários, apoiadores e
ativistas para nossas ações. É importante dizer que, desde 2006, a confederação
Oxfam é signatária da “Carta de Prestação de Contas e Responsabilidade de
Organizações Não Governamentais Internacionais” (International NGOS
Accountability Charter), apresentando
relatórios técnicos e financeiros públicos, além de atuar de forma
transparente. A Oxfam Brasil operará em conformidade com esses parâmetros,
apresentando total transparência de suas atividades, recursos e parcerias.
Ser Médico – Há outras frentes, além da pobreza e da injustiça? Quais são e
como a Oxfam atua em relação a elas?
Kátia – A pobreza, a desigualdade e a injustiça são nosso guia.
Mas essa agenda é imensa, e a Oxfam focaliza suas ações, a cada cinco anos, por
meio do seu plano estratégico global. Para o período 2013-19, estão colocadas
seis metas de trabalho: 1. O direito das pessoas em demandar uma vida melhor; 2. Justiça de gênero; 3. A importância de salvar vidas ameaçadas por conflitos
e desastres ambientais; 4. Um sistema alimentar sustentável; 5. Um
compartilhamento justo dos recursos naturais; 6. Um financiamento para o
desenvolvimento que assegure o acesso universal a serviços essenciais como
saúde e educação. No Brasil, ainda estamos elaborando o plano estratégico para
o período 2016-2020, mas alguns temas deverão fazer parte de nossa agenda de
trabalho: desigualdades nas cidades – juventude, gênero e raça; justiça fiscal
e captura política; o papel do Brasil e sua influência no cenário regional e
global; e o sistema alimentar.
Ser Médico – Podemos ter esperança em ver um mundo menos desigual?
Kátia – Seguramente que sim. Apesar do aumento da desigualdade e
dos imensos desafios sobre os quais falamos até agora, existem avanços a serem
considerados, particularmente na conquista de direitos. O importante é entender
que um mundo menos desigual depende da mobilização e do trabalho conjunto de
organizações da sociedade civil, movimentos sociais e vários outros setores da
sociedade. A construção de um mundo mais justo é uma tarefa coletiva, ainda que
cada indivíduo possa e deva dar sua contribuição. Pensar e desejar um mundo
menos desigual não é somente uma questão de esperança; é uma questão intrínseca
ao que somos como seres humanos. Prefiro acreditar que somos uma civilização na
qual ainda existe espaço para valores fundamentais como a ética e a
solidariedade.
Fonte: Entrevista publicada na Revista Ser Médico Edição 73
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