domingo, dezembro 20, 2015

Uma batalhadora das letras

Contadora de histórias dedicada há mais de 20 anos aos livros, Rosana Mont’ Alverne falou sobre a recente publicação da CML, “O Livro em Minas Gerais: O Que Se Lê, O Que Se Produz”, que traça um perfil do leitor mineiro a partir de uma pesquisa inédita, além de ter comentado os rumos de investimentos como o Vale Livro e a expectativa para o Salão e a Bienal do Livro, em 2016

Em anos de atuação frente ao mercado literário mineiro, como você avalia as produções regionais contemporâneas?

Olha, hoje temos uma situação bem diferente da que tínhamos há dez, 15 anos atrás. E um dos principais pontos que precisamos ressaltar são as editoras. Das 77 editoras que estão presentes no Estado hoje, 56 estão instaladas em Belo Horizonte e esse número é crucial para as publicações que temos conseguido ter por ano, pelo menos na capital. Mas um fator importante tem sido as publicações independentes. As publicações autônomas nem sempre são contabilizadas como as de grandes editoras. Isso seria um baque no mercado.


O escritores independentes ainda têm dificuldade para conseguir representatividade?

Eles têm se organizado, na medida do possível. Aqui mesmo na Câmara Mineira do Livro, é como as editoras associadas pagarem um valor fixo, de acordo com o porte, que varia entre pequeno, médio e grande. Mas em novembro tivemos um caso excepcional, que é o poeta Rodrigo Ricardo, criador do selo Poesias Escolhidas Editora. Ele veio atrás da gente argumentando que tinha aberto uma editora menor ainda do que o que consideramos pequena e questionou se teríamos uma categoria diferente. Então resolvemos conversar sobre isso, avaliar a possibilidade de ele ser associado legal e criamos uma categoria de microempresa. Justamente para atender pessoas que têm poucas obras publicadas. Hoje temos tido cada vez mais provas de que o apelo de bons livros não está mais ligado às grandes editoras – pelo contrário.

Cada vez mais tenho certeza de que é preciso que se facilite o processo pelo qual livros chegam até as pessoas. É o que estamos fazendo com essa nova categoria de associado na CML.

Você acredita que as feiras independentes, a exemplo da Faísca – Mercado Gráfico, são o impulsionador desse mercado ainda invisível nas contas de publicações oficiais?

As feiras literárias certamente são um componente importantíssimo – mas não só elas. Os projetos literários espontâneos também têm conseguido resultados incríveis. Nesse ano mesmo, o Túlio Damasceno conseguiu inaugurar a 1ª Festa Literária de Sabará, com apoio da CML e da Secretaria de Estado e Educação. E é um projeto que nasceu dentro de uma borracharia, transformando um ambiente atípico de leitura em um espaço democrático para se habituar a ler.

É uma alegria para o meio editorial ver esse tipo de iniciativa, porque nos abrem portas para outras maneiras de difundir a literatura, sem necessariamente estar atrelado a alguma iniciativa governamental – ainda que ter o apoio do governo seja importante.

Apesar de a capital ainda ser o principal polo literário do Estado, o interior mineiro tem conseguido promover suas próprias iniciativas descentralizadas?

Assim como a Feria Literária de Sabará foi um sucesso, atraindo atenção massiva da prefeitura local, outras também têm conseguido. O melhor exemplo talvez seja a Feria do Livro de Itabirito, que chegou a sua 11ª edição lotada em 2015. Além dela, a Festa Literária de Divinópolis teve a segunda edição em agosto deste ano, com apoio da Secretaria de Estado de Educação, e Uberlândia também recebeu neste ano o I ELICER. E isso pode abrir portas para outras cidades próximas se espelharem.

Mesmo com eventos literários com menos repercussão, os moradores do interior do Estado têm médias de leitura melhores do que os de Belo Horizonte, segundo a publicação “O Livro em Minas Gerais”, lançada este ano pela CML. Como explicar isso? 

Além de Belo Horizonte, nós fizemos uma pesquisa em oito cidades fundamentais do Estado (Teófilo Otoni, Poços de Caldas, Juiz de Fora, Uberlândia, Divinópolis, Governador Valadares, Patos de Minas e Montes Claros). Para se ter uma ideia, enquanto em BH a média de leitura é de 2,4 livros lidos por pessoa por ano, Poços de Caldas, que abriga a Flipoços há 11 anos, tem média de 4,34 livros por pessoa – superior até que a média brasileira, que é de 1,85 livro por pessoa. O índice da capital chega a ser menor do que Divinópolis, que tem média de 2,53 livros por pessoa, e Juiz de Fora, com 3,5 livros por pessoa. Por outro lado, em Patos de Minas, onde são escassas as iniciativas de leitura, 60% da população não lê um livro sequer por ano. Apesar de a capital mineira ter a Bienal do Livro, o Salão do Livro e outros eventos grandes recorrentes, percebemos que isso não é suficiente especificamente porque a metrópole concentra muita desigualdade social. Nem todo mundo lê ou é incentivado à leitura. Isso é mais simples de ser feito em uma cidade menor, onde as pessoas se encontram nos eventos – mesmo as que não têm uma ligação forte com a leitura, acabam adquirindo por ver de perto a movimentação da cidade, que é mais homogênea e consegue influenciar maior número de pessoas do que em uma grande capital.

Uma das principais bandeiras da CML é preocupação com a comunidade escolar leitora. Qual a situação do Estado em relação a isso? 

Certamente uma de nossas principais bandeiras tem sido um empenho muito forte junto aos governos para fortalecer a aquisição de obras literárias novas às escolas – estimamos que pelo menos 70% de todas as instituições de ensino precisem dessa renovação. A principal vitória que tivemos foi o edital publicado no dia 21 de novembro pela Secretaria de Estado de Educação, que promete novas aquisições de livros para 2016. Não trabalhamos só no entorno do mercado. Nos preocupamos com formação do leitor, com que obras as crianças e jovens terão acesso no futuro. Agora é acompanhar esse processo para garantir livros novos no próximo ano letivo. Junto a isso, tivemos uma conquista importante com o Vale Livro. Neste ano, cinco feiras foram contempladas com esse benefício. Na prática, as crianças têm R$ 20 para gastar em uma aquisição durante as feiras, enquanto os professores ganham R$ 50. Pode parecer pouco, mas além de um valor, isso é uma formação. O estudante circula pelas feiras e com toda a certeza pode sair de lá com pelo menos um livro direto para casa – e o livro que ele escolheu, folheou, se sentiu atraído a ler. Essa união das feiras com o Vale Livro foi o passo mais importante neste ano.


Em 2016, a CML estará diretamente ligada à realização do Salão do Livro Infantil e Juvenil de Minas Gerais e à Bienal do Livro? É uma coincidência os dois eventos que normalmente acontecem separados agora estarem juntos? Qual a sua expectativa para as edições deste ano? 

Uma das novidades que precisam ser ressaltadas sobre a Bienal do Livro é o Fórum de Educadores, que vai estrear nesta edição. É um investimento importante para debater a formação dos professores, o que eles estão lendo, como estão refletindo sobre literatura com os alunos, como se atualizam e muito mais. Mas neste ano teremos tanto a Bienal como o Salão ocorrendo juntos. Isso porque o Salão do Livro Infantil e Juvenil de Minas Gerais, que acontece normalmente em anos ímpares, não conseguiu captação pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura, muito por causa da conjuntura que enfrentamos neste ano, com corte de investimentos em todas as áreas.

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