domingo, dezembro 03, 2006

a hora e a vez dos pequenos

A vitória do PC sem grife SÃO PAULO - Fabricantes nacionais de computadores crescem mais do que as grandes marcas globais e dominam as vendas no varejo. Até bem pouco tempo atrás, cada venda fechada merecia festa na sede da fabricante de computadores Bit Shop, com direito a engradados de cerveja. As coisas mudaram rapidamente. A época em que assinar um contrato era um acontecimento tão raro que precisava ser comemorado virou história para contar. Com previsão de produzir 120 000 unidades neste ano -- o dobro de 2005 -- e faturar mais de 100 milhões de reais, a companhia teria problemas para manter a velha prática que animava a equipe da fábrica situada no pólo de Ilhéus, na Bahia. Essa ascensão não é privilégio exclusivo da Bit Shop. Um passeio pelos corredores onde estão os produtos de informática de qualquer grande varejista é revelador do que ocorre com a indústria de PCs no Brasil. Basta reparar nos nomes em exibição nas prateleiras: Megaware, Mirax, Kelow, Epcom, Kennex, Amazon, Evadin. Trata-se de uma extensa lista de marcas pouco familiares à maioria dos consumidores. A trajetória desses fabricantes desconhecidos é parecida. Todos são empreendimentos nacionais de pequeno ou médio porte que até 2004 lutavam para sobreviver com vendas minguadas para clientes empresariais e com recursos que respingavam de uma ou outra licitação de prefeituras e órgãos públicos. Todos apresentam crescimento vertiginoso em 2006, a taxas que variam de 90% a mais de 300%. E todos foram bem-sucedidos na dura tarefa de conquistar espaço nas gôndolas mais importantes do país. É notório que nos últimos 18 meses as vendas de computadores pessoais decolaram no Brasil, impulsionadas por uma rara conjunção de fatores favoráveis, como dólar baixo, combate ao contrabando, isenção de PIS e Cofins por meio da MP do Bem e maior facilidade de financiamento. Sabe-se também que isso gerou, pela primeira vez em muito tempo, uma retração no chamado mercado cinza -- aquele composto de máquinas montadas com componentes ilegais e software pirateado. O que passou quase despercebido até agora é que foram os fabricantes nacionais os maiores beneficiados por essas mudanças. Segundo a consultoria IT Data, de cada 100 PCs vendidos no país em 2004, apenas 16 eram de marcas locais legalizadas. Neste ano a representação nacional deve subir para perto de 40 máquinas em cada 100. As grifes globais, que incluem nomes como Dell, Lenovo (ex-IBM) e HP, expandiram-se de forma mais modesta, passando de 11% para 15% de participação no mesmo período (veja quadro na pág. 86). "Detectamos grande quantidade de fabricantes nacionais de PCs que há pouco tempo montavam 1 000 máquinas por mês e hoje entregam na faixa de 5 000 a 10 000", diz Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas da IT Data. A chave desse sucesso é mesmo a venda em lojas. A participação do varejo no total do mercado brasileiro de PCs subiu de 13% no primeiro semestre de 2005 para quase 25% hoje. A única multinacional a entrar na onda do varejo -- com suces so -- foi a HP, líder em notebooks no Brasil. A Dell continua fiel a seu modelo de vendas diretas por internet e telefone, enquanto a Lenovo ainda estuda com cuidado como atuar em um segmento de margens baixas. O que desencoraja as empresas globais é que deter uma marca reconhecida, trunfo geralmente valiosíssimo na briga das gôndolas, não tem sido determinante na compra de um PC. Um levantamento da IT Data mostra que o brasileiro está disposto a pagar apenas 13% mais por uma máquina de grife. É pouco. Além disso, quando questionados sobre quais são os fabricantes de computadores mais conhecidos, os consumidores freqüentemente fazem confusão e apontam nomes de fornecedores de componentes, como a Intel, ou de monitores, como a LG. Para decidir a compra, os fatores mais importantes são o preço e as condições de pagamento, já que a grande demanda vem da classe C, que busca máquinas simples, ao redor de 1 000 reais. As companhias brasileiras também têm a vantagem de contar com estruturas mais baratas e ágeis do que as verificadas nas multinacionais. Por trabalhar com fabricação terceirizada, que movimenta enormes volumes de componentes, e por ter de submeter muitas decisões à matriz, as marcas globais nem sempre conseguem ajustar o rumo com velocidade. Em um setor cujos preços oscilam ao sabor das mudanças cambiais e da obsolescência tecnológica, reagir rápido pode significar ganhos decisivos no varejo de PCs, que trabalha com margens estreitas, geralmente entre 5% e 15%. Ninguém soube aproveitar melhor essa situação do que a Positivo Informática, de Curitiba, no Paraná, atual líder do mercado nacional de PCs. Com previsão de vender mais de 500 000 unidades neste ano e encostar na marca de 1 bilhão de reais em faturamento, a companhia iniciou o processo de abertura de capital na Bovespa. Não deixa de ser um feito, mas trata-se de uma empresa que pertence a um grupo sólido e tradicional. Muitos empreendimentos menores estão conseguindo resultados expressivos com bem menos respaldo financeiro. É o caso da Kelow Informática, fundada em 2000, que estreou recentemente no varejo. Resultado: deve fechar neste ano com 35 000 unidades entregues, ante 8 000 em 2005. Outro exemplo é a Megaware, constituída em 1996 e que iniciou as vendas em lojas há um ano. A companhia espera crescer 118% em unidades vendidas em 2006 e já planeja uma segunda fábrica, provavelmente em Belo Horizonte, para complementar a atual produção de Ilhéus. "Perdemos vários negócios por limitações de capacidade produtiva", diz Germano Couy, sócio da Megaware. Seria razoável imaginar que fabricantes com pouca experiência nas vendas em lojas passassem maus momentos à mesa de negociações com redes varejistas do calibre de Casas Bahia, Ponto Frio e Wal-Mart, reconhecidamente duros no trato com seus fornecedores. Não é o que está acontecendo. Em alguns casos, os fabricantes contam com a ajuda de outros gigantes para equilibrar o jogo: ninguém menos que Intel e Microsoft. Foi por meio dessas empresas que Alexandre Machado, presidente da modesta Techsul Industrial, foi parar em uma sala de reuniões com a diretoria do Extra. A rede de supermercados, ligada ao grupo Pão de Açúcar, queria viabilizar o projeto de um notebook com o sistema Windows XP a 1 999 reais. Após dois meses de contas e negociações, as partes chegaram a um acordo. Os bons resultados dos pequenos fornecedores aguçaram o apetite de grupos nacionais de maior porte. A CCE, empresa familiar do ramo eletroeletrônico que deve faturar 1,5 bilhão de reais neste ano, estreou no negócio de computadores pessoais em fevereiro, quando vendeu 3 000 máquinas. Em outubro, o volume registrado já era de 37 000 unidades, integralmente escoadas pelo varejo. Para aproveitar a demanda de Natal, a CCE está lançando sua linha de notebooks. No ano que vem, vai iniciar o fornecimento para clientes empresariais. Com produção altamente verticalizada -- desde os componentes até o plástico dos PCs, tudo é fabricado pela própria companhia em Manaus -- e bom trânsito em mais de 7 500 varejistas, o plano de negócios da CCE previa a venda de 300 000 computadores em 2007. A meta já está sendo revista para cima. "A unidade de informática é a caçula do grupo, mas sabemos que vai ditar nosso crescimento em breve", diz Gilberto Marangão, responsável pela área de desenvolvimento de negócios da CCE. Outro grupo de empresários de peso entrou no ramo de PCs camuflado por trás da Boreo Comércio de Equipamentos. O nome insuspeito é, na verdade, uma companhia controlada pela Componente, holding de João Paulo Diniz, herdeiro do grupo Pão de Açúcar, e por Marcos Funaro, filho do ex-ministro da Fazenda Dilson Funaro. A empresa trabalha de forma diferente de suas concorrentes nacionais. Toda a produção é terceirizada para a Celestica, de Jaguariúna, no interior de São Paulo, que também se encarrega da logística dos PCs que levam a marca Kennex. A Boreo é uma empresa invisível -- seu nome não aparece em momento algum -- que simplesmente cuida da distribuição no varejo, orquestra a produção segundo a demanda e gerencia a marca. "Vimos uma oportunidade porque há muitas fábricas pequenas sem capital de giro para atender aos pedidos", diz Funaro. A companhia deve vender cerca de 100 000 unidades em 2006 e espera dobrar a produção no próximo ano. A chegada de empresas mais estruturadas certamente levará a uma consolidação quando o mercado se acomodar -- as vendas de PCs no Brasil não continuarão a crescer 40% indefinidamente. Mas tudo indica que ainda haverá alguns anos de bonança antes que isso aconteça. Até lá, as grifes continuarão quase sem lugar nas prateleiras de informática.

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