por GILSON SCHWARTZ
Guinada icônica: da televisão à “telosvisão”
Minha aproximação ao tema da diversidade cultural tem como perspectiva a chamada revolução tecnológica, que, a partir da segunda metade do século XX, coloca os meios e os processos de digitalização no centro das dinâmicas econômicas, políticas e culturais.
Parece necessário, primeiro, um alerta sucinto, mas contundente, com relação à urgência de produzir novas teorias, um novo pensamento, novos conceitos para abordar essas questões. Em razão da rápida e intensa, por vezes brutal, mudança tecnológica em curso surgem dificuldades para as teorias e as ideologias herdadas nos campos da sociologia, da economia, das comunicações, da psicanálise, mas não apenas das humanidades, pois a própria engenharia faz hoje um esforço para repensar teoricamente seus modelos e suas práticas.
Denomino esse novo horizonte de práticas e teorias como “iconomia”, título de uma nova disciplina de graduação criada na Universidade de São Paulo (USP), aberta aos cursos de engenharia, economia e administração, ciência da computação, comunicações e artes.
A velha economia não dá conta dos novos temas. É preciso rever criticamente as tradições da economia política, da economia matemática e da engenharia de produção. “iconomia” para remeter a “ícone”, apontando para uma nova economia dos ícones, em que as relações de troca e a geração de valor passam pela capacidade de processar ícones, códigos, símbolos, em suma, de criar valor a partir da inteligência coletivamente organizada para processar informação.
No lugar da tradição utilitarista que fazia da escassez material a base do cálculo econômico, é a escassez de inteligência que define acesso e acumulação de riqueza na economia do conhecimento. Em oposição aos modelos marxistas de explicação da dinâmica econômica a partir da propriedade de meios de produção, é a configuração (acesso, propriedade e audiência) na esfera pública, ou seja, mediada por meios de comunicação, que determina hierarquias, poder e renda.
A palavra “revolução” já está desgastada, mas poderíamos falar também de mudança de paradigma, pois o impacto das novas configurações tecnológicas é muito forte e a mudança muito intensa. Essa mudança de paradigma que caracteriza a emergência de uma sociedade digitalizada é o ponto de partida, a principal referência para pensar as nossas formações sociais, as nossas práticas culturais, as nossas políticas públicas. O império do digital é avassalador e cria uma situação em que é absolutamente incerto e indeterminado se o resultado vai ser mais ou menos liberdade e diversidade.
Houve um primeiro momento de euforia e entusiasmo criativo com a internet e tudo que ela representa, mas nos últimos anos surgem cada vez mais alertas e advertências. Começa a vir à tona um conjunto muito grande de anomalias, de desvios em todas as áreas, permitidos exatamente pela flexibilidade e pela potência do meio digital.
É visível um grande potencial para a diversidade, para a heterogeneidade, para a liberdade de expressão, porém, é exatamente sobre o mesmo terreno, sobre as mesmas plataformas tecnológicas que aparecem, como nunca antes visto, novos riscos de completo aniquilamento da intimidade, da privacidade, da segurança individual e da liberdade de expressão.
Por mais que se considere “mídia” tudo o que se registrou desde a idade das cavernas, nunca o rastro deixado pela nossa ação comunicativa foi tão passível de controle e monitoramento como acontece no meio digital. Por mais que a televisão tenha se espalhado, e sabemos que a televisão aberta tem essa extraordinária penetração no Brasil, como se vê pelos índices e pela concentração da audiência, o fato é que, se ligarmos a televisão num canal aberto, ninguém sabe se estamos assistindo ao canal 2, ao 4 ou ao 12.
É preciso fazer pesquisas, colocar aparelhinhos em televisões para mostrar (por estimativa) a audiência de um programa.
Na internet, cada clique é registrado. É preciso entender bem essa dimensão de governança na internet para dar a devida importância às ameaças que as novas tecnologias de informação e comunicação trazem à liberdade, à segurança, à privacidade e à intimidade.
São desafios enormes que tornam a questão da censura até já como algo ultrapassado, pois estamos muito além da censura, estamos já mergulhando na digitalização das coisas vivas e inanimadas.
Então não somos nós que vamos a uma tela para clicar e acessar informação ou interagir, mandar um e-mail ou assistir a um filme. Já não é mais isso, a fronteira é a internet das coisas. A internet não está mais na internet. A internet está cada vez mais no mundo, nas coisas, nos corpos, nos objetos, nos produtos, nos cruzamentos de ruas, nas câmeras onipresentes, nos elevadores, nas salas de espera dos bancos e assim por diante.
Essa monumental massa de informações sobre nossos comportamentos traz inevitavelmente a questão do controle, do monitoramento como nunca antes foi possível. Ou seja, essa sociedade icônica ou “iconômica” emergente traz desafios de reflexão política e também de pesquisa.
Há questões novas para a academia, para a metodologia de pesquisa e também para os cidadãos, para os reguladores e fabricantes de hardwares e softwares.
No lugar da televisão, podemos nos referir cada vez mais a uma “telosvisão”. Durante muito tempo a comunicação foi realmente entendida e, de fato, é isto: vencer uma distância; “telecomunicação” quer dizer alcançar algo que está remoto física, espacial e temporalmente. Mas essa nova economia de ícones, essa “iconomia”, desloca-nos do mundo da televisão para o mundo da “telos-visão”, ou seja, ganham cada vez mais visibilidade os desejos, as intenções, o monitoramento dos comportamentos, e a manipulação desses desejos atinge proporções globais, criando riscos sem precedentes para a liberdade e a diversidade na política, na cultura e na economia.
Fala-se muito da tecnologia, do último gadget, ou seja, dos meios, quando a urgência maior está na avaliação crítica das finalidades, na capacidade humana de dizer para que serve isso, quais os valores e os interesses em jogo.
SAIBA MAIS
MOEDAS CRIATIVAS
MOEDAS CRIATIVAS 2
ICONOMIA
PRINCÍPIOS E ICONOMIA
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Minha aproximação ao tema da diversidade cultural tem como perspectiva a chamada revolução tecnológica, que, a partir da segunda metade do século XX, coloca os meios e os processos de digitalização no centro das dinâmicas econômicas, políticas e culturais.
Parece necessário, primeiro, um alerta sucinto, mas contundente, com relação à urgência de produzir novas teorias, um novo pensamento, novos conceitos para abordar essas questões. Em razão da rápida e intensa, por vezes brutal, mudança tecnológica em curso surgem dificuldades para as teorias e as ideologias herdadas nos campos da sociologia, da economia, das comunicações, da psicanálise, mas não apenas das humanidades, pois a própria engenharia faz hoje um esforço para repensar teoricamente seus modelos e suas práticas.
Denomino esse novo horizonte de práticas e teorias como “iconomia”, título de uma nova disciplina de graduação criada na Universidade de São Paulo (USP), aberta aos cursos de engenharia, economia e administração, ciência da computação, comunicações e artes.
A velha economia não dá conta dos novos temas. É preciso rever criticamente as tradições da economia política, da economia matemática e da engenharia de produção. “iconomia” para remeter a “ícone”, apontando para uma nova economia dos ícones, em que as relações de troca e a geração de valor passam pela capacidade de processar ícones, códigos, símbolos, em suma, de criar valor a partir da inteligência coletivamente organizada para processar informação.
No lugar da tradição utilitarista que fazia da escassez material a base do cálculo econômico, é a escassez de inteligência que define acesso e acumulação de riqueza na economia do conhecimento. Em oposição aos modelos marxistas de explicação da dinâmica econômica a partir da propriedade de meios de produção, é a configuração (acesso, propriedade e audiência) na esfera pública, ou seja, mediada por meios de comunicação, que determina hierarquias, poder e renda.
A palavra “revolução” já está desgastada, mas poderíamos falar também de mudança de paradigma, pois o impacto das novas configurações tecnológicas é muito forte e a mudança muito intensa. Essa mudança de paradigma que caracteriza a emergência de uma sociedade digitalizada é o ponto de partida, a principal referência para pensar as nossas formações sociais, as nossas práticas culturais, as nossas políticas públicas. O império do digital é avassalador e cria uma situação em que é absolutamente incerto e indeterminado se o resultado vai ser mais ou menos liberdade e diversidade.
Houve um primeiro momento de euforia e entusiasmo criativo com a internet e tudo que ela representa, mas nos últimos anos surgem cada vez mais alertas e advertências. Começa a vir à tona um conjunto muito grande de anomalias, de desvios em todas as áreas, permitidos exatamente pela flexibilidade e pela potência do meio digital.
É visível um grande potencial para a diversidade, para a heterogeneidade, para a liberdade de expressão, porém, é exatamente sobre o mesmo terreno, sobre as mesmas plataformas tecnológicas que aparecem, como nunca antes visto, novos riscos de completo aniquilamento da intimidade, da privacidade, da segurança individual e da liberdade de expressão.
Por mais que se considere “mídia” tudo o que se registrou desde a idade das cavernas, nunca o rastro deixado pela nossa ação comunicativa foi tão passível de controle e monitoramento como acontece no meio digital. Por mais que a televisão tenha se espalhado, e sabemos que a televisão aberta tem essa extraordinária penetração no Brasil, como se vê pelos índices e pela concentração da audiência, o fato é que, se ligarmos a televisão num canal aberto, ninguém sabe se estamos assistindo ao canal 2, ao 4 ou ao 12.
É preciso fazer pesquisas, colocar aparelhinhos em televisões para mostrar (por estimativa) a audiência de um programa.
Na internet, cada clique é registrado. É preciso entender bem essa dimensão de governança na internet para dar a devida importância às ameaças que as novas tecnologias de informação e comunicação trazem à liberdade, à segurança, à privacidade e à intimidade.
São desafios enormes que tornam a questão da censura até já como algo ultrapassado, pois estamos muito além da censura, estamos já mergulhando na digitalização das coisas vivas e inanimadas.
Então não somos nós que vamos a uma tela para clicar e acessar informação ou interagir, mandar um e-mail ou assistir a um filme. Já não é mais isso, a fronteira é a internet das coisas. A internet não está mais na internet. A internet está cada vez mais no mundo, nas coisas, nos corpos, nos objetos, nos produtos, nos cruzamentos de ruas, nas câmeras onipresentes, nos elevadores, nas salas de espera dos bancos e assim por diante.
Essa monumental massa de informações sobre nossos comportamentos traz inevitavelmente a questão do controle, do monitoramento como nunca antes foi possível. Ou seja, essa sociedade icônica ou “iconômica” emergente traz desafios de reflexão política e também de pesquisa.
Há questões novas para a academia, para a metodologia de pesquisa e também para os cidadãos, para os reguladores e fabricantes de hardwares e softwares.
No lugar da televisão, podemos nos referir cada vez mais a uma “telosvisão”. Durante muito tempo a comunicação foi realmente entendida e, de fato, é isto: vencer uma distância; “telecomunicação” quer dizer alcançar algo que está remoto física, espacial e temporalmente. Mas essa nova economia de ícones, essa “iconomia”, desloca-nos do mundo da televisão para o mundo da “telos-visão”, ou seja, ganham cada vez mais visibilidade os desejos, as intenções, o monitoramento dos comportamentos, e a manipulação desses desejos atinge proporções globais, criando riscos sem precedentes para a liberdade e a diversidade na política, na cultura e na economia.
Fala-se muito da tecnologia, do último gadget, ou seja, dos meios, quando a urgência maior está na avaliação crítica das finalidades, na capacidade humana de dizer para que serve isso, quais os valores e os interesses em jogo.
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