terça-feira, outubro 27, 2015

Diversidade cultural versus determinismo tecnológico no Brasil

Iconometria: diversidade versus desigualdade

POR Gilson Schwartz

Há muita propaganda e apologia da nova era tecnológica, mas os dados são contundentes quando se trata de identificar e medir os padrões de distribuição de acesso e apropriação das novas mídias.
Segundo o ICT Development Index [Índice de Desenvolvimento em Tecnologias de Informação e Comunicação], da Organização Internacional de Telecomunicações, nos últimos dez anos houve uma extraordinária explosão da comunicação móvel. Essa explosão do universo da comunicação móvel está associada a uma mudança na infraestrutura, a mobilidade e a ubiquidade das interfaces, dos sensores, das câmeras. Esse digital móvel e ubíquo altera as perspectivas da chamada “inclusão digital” e movimenta interesses empresariais monumentais.


Os estudiosos da comunicação têm alertado no Brasil para o poder da Rede Globo, mas o faturamento anual das empresas de telecom é dez vezes o faturamento da emissora no país. 
A hegemonia da Globo tem sido ameaçada por concorrentes no mercado de televisão, mas a ameaça maior está na emergência de novos padrões de comunicação nessa nova sociedade da comunicação móvel. Não é casual que o BNDES tenha atuado para criar uma empresa de telecom controlada pelo Estado, regulando o oligopólio brasileiro em aliança com capitais nacionais.

Os dados revelam, no entanto, que o padrão de distribuição de acesso, em especial à banda larga no telefone celular, é extremamente desigual quando se comparam os mundos desenvolvidos e em desenvolvimento. Novamente, o Estado, ao ressuscitar a Telebrás, interfere para alterar o modelo de regulação e competição na oferta de conectividade com banda larga. 
A questão que se coloca, neste momento, é saber se as intervenções pesadas do Estado brasileiro serão positivas do ponto de vista da distribuição de acesso e oportunidades ou se, como já ocorreu no passado, serão apenas uma forma de articular novas alianças mercantis entre capitais nacionais, estrangeiros e públicos, sem afetar de modo significativo a distribuição de inteligência, riqueza e poder na sociedade.

Com relação à banda larga, o mundo desenvolvido está quatro, cinco vezes à frente, ou seja, está mais qualificado, mais aparelhado para se apropriar dos resultados dessa nova onda. 
Os dados relativos à banda larga móvel, no entanto, são ainda mais impressionantes, o mundo em desenvolvimento está muito abaixo dos países desenvolvidos. A desigualdade é monumental; difícil até de acreditar que essa assimetria será superada um dia, isso porque a desigualdade que as novas tecnologias estão introduzindo no mundo é muito maior do que admitiram em seus momentos de maior euforia os defensores da cultura digital no Brasil. 
Por mais meritórias que sejam as iniciativas e as políticas públicas de inclusão digital via Pontos de Cultura, telecentros e assemelhados, há um divórcio absoluto entre o Ministério da Cultura e o Ministério das Comunicações. Quer dizer, pelo fato de que no Brasil se mantiveram separadas a política cultural da cultura digital e a política de telecomunicação, o Ministério de 

Comunicações tornou-se a expressão desse monopólio global e das apropriações desiguais dessas inovações.
O desenvolvimento com base em TICs combina três elementos: acesso, uso e competências (capacidade e conhecimento, educação para que haja a devida apropriação do progresso tecnológico pela sociedade). Observando especificamente o componente de competências (20% do peso do índice), vemos que estão combinadas literacia, alfabetização dos adultos, matrículas no ensino secundário e matrículas no ensino superior. No entanto, se de um lado os indicadores de educação no Brasil continuam inspirando preocupação, de outro lado é notório que esse tipo de indicador é pobre para captar fenômenos como a diversidade cultural.

Ou seja, o próprio conceito de desenvolvimento com base em TICs está ainda muito longe de incorporar em suas metodologias indicadores relativos à diversidade cultural. O fato observado, no entanto, é que o Brasil, no período de 2001 a 2007, perdeu posições no “ranking” global. Assim, mesmo do ponto de vista de acesso, uso e escolaridade formal, o Brasil está piorando exatamente no momento em que se celebram políticas de inclusão digital e de cultura digital. Nós retroagimos em termos de políticas nesse período. A América do Sul está abaixo da Europa Oriental nessa dimensão crítica.

Tal concentração extrema dos indicadores está associada a níveis de preços dos serviços de comunicação, de informação e comunicação mais altos nos países mais pobres e mais baixos nos países mais ricos. O mercado, portanto, está provocando uma aceleração do efeito de desigualdade (o Brasil tem os serviços de telefonia celular e de banda larga mais caros do mundo).


O fato é que os níveis de preços praticados não só no Brasil, mas na média de países em desenvolvimento, são mais altos, enquanto nos países onde a escala e o índice de penetração dessas tecnologias são maiores os preços são mais baixos. Quem está financiando quem? Que forma de transferência neocolonial é essa que reproduz na mais alta tecnologia a mesma desigualdade que nós já vimos na cana-de-açúcar e no café em outros ciclos de desenvolvimento?

Finalmente, pesquisas divulgadas recentemente pela Cepal revelam que a capacidade instalada mundialmente para computação, comunicação e armazenamento está distribuída de modo desigual e contraintuitivo. Há uma ideologia de que a internet melhora a nossa situação no mundo do ponto de vista da liberdade de expressão e da diversidade cultural. Entretanto, os dados revelam que a chamada sociedade da informação, que evolui com base em três Componentes (armazenamento de dados, capacidade de processamento e comunicação propriamente dita), tem avançado menos justamente no que se refere ao vetor “comunicação”. 
São dois processos combinados: de um lado, extrema concentração na ponta dos países desenvolvidos; de outro lado, não é a comunicação que está crescendo, mas, sim, a capacidade de computação, portanto, de processamento e de armazenamento. 
Na chamada sociedade da informação, nossa espécie se comunica muito menos do que poderia. E a estrutura que está sendo instalada sob o controle dos países desenvolvidos é uma estrutura de processamento de dados e computação e armazenamento; concentração que não contribui para a diversidade cultural ou para os esforços de redução da desigualdade.


Comunicação sem esfera pública

Os recursos e as políticas públicas que estão sendo implementados para enfrentar essa questão são praticamente liliputianos comparados à velocidade e à intensidade desses processos. 
A internet não cria um “mundo plano” (onde todos se comunicariam com todos).
O Brasil está na iminência de grandes mudanças na estrutura de propriedades dos meios de comunicação, de controle das telecomunicações, com a entrada cada vez mais forte do BNDES e a recriação da Telebrás sem a devida discussão no Legislativo – e, quando tal ocorre, ela é travada. Na verdade, temos convivido com uma “legislação Frankenstein”. Nem no governo Fernando Henrique Cardoso nem no governo Lula houve capacidade política para vencer essas resistências setoriais.

O debate necessário para nossa evolução política precisa ir além da impressão de melhoria promovida pela ação forte do Estado em princípio para reduzir a desigualdade. Até que ponto a entrada do Estado nessa área é uma garantia de liberdade de expressão e diversidade cultural é uma questão a ser considerada. 
Essa reestatização deveria ser um dos grandes temas nas eleições presidenciais. O risco maior, como já ocorreu em outros momentos da história, é aumentar o peso do Estado sem que tal intervenção contribua efetivamente para o aperfeiçoamento da democracia no país.

Gilson Schwartz é professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e líder do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br).

DIVERSIDADE CULTURAL E A COMUNICAÇÃO |



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