terça-feira, outubro 27, 2015

questionamentos a cerca da diversidade cultural Ibero America

1. A diversidade cultural no contexto ibero-americano
Questionar-se sobre o impacto dos processos de produção e circulação da informação na promoção da diversidade cultural remete, primeiramente, à Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), aprovada pela Unesco.1 Essa Convenção, ratificada atualmente por 111 Estados, expressa em seus princípios reitores (art. 2o) que: “O acesso
equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais procedentes de todos os cantos do mundo e o acesso das culturas aos meios de expressão e difusão são elementos importantes para valorizar a diversidade cultural e propiciar o entendimento mútuo“.

Na gênese da Convenção se encontra um debate inacabado. Aquele que, no contexto da Rodada no Uruguai do Gatt, (1986-1993), confrontou delegações dos países (Estados Unidos, Japão) que pretendem incluir as produções culturais – filmes e obras audiovisuais – na lista de mercadorias submetidas às normas do livre intercâmbio com delegações (França e Canadá, entre outras) que, diante da denunciada homogeneização cultural, reivindicam a necessidade de continuar esenvolvendo políticas públicas e instrumentos (“cotas”, subvenções, créditos suaves, garantias sobre empréstimos, incentivos à exportação etc.) com a finalidade de garantir uma produção cultural endógena e diversificada (Gournay, 2004).

Esse debate não é novo e há décadas confronta diversos países e setores sociais. Nesse sentido, vale lembrar um antecedente muito importante da Convenção, o Relatório MacBride (Um Mundo e Muitas Vozes: Comunicação e Informação na Nossa Época, 1980), fruto das discussões em torno à proposta de uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic). Tal trabalho, elaborado pela Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, presidida pelo Prêmio Nobel irlandês Sean MacBride, aborda aspectos-chave relacionados diretamente com o que hoje se entende por diversidade cultural: o controle governamental, o monopólio e a comercialização dos meios de comunicação ou o poder dos conglomerados transnacionais. Os autores do célebre relatório já alertavam: “Por definição, quem se interessa por uma comunicação mais desenvolvida, de melhor qualidade e mais livre é o público em geral, e a forma de ajudá-lo a fazer-se ouvir e de conseguir satisfazer os seus desejos consiste em introduzir o espírito democrático no mundo da comunicação.”

A proposta do Nomic nos anos 1970 pelo Movimento dos Países Não Alinhados, as constatações e recomendações do Relatório MacBride e a elaboração da Convenção da Unesco chamam a atenção para os problemas enfrentados pela produção, pela circulação e pelo consumo de importantes expressões culturais, tanto no âmbito internacional quanto nos âmbitos nacionais e locais.
Se concentrarmos nossa atenção no poliédrico espaço ibero-americano, encontraremos uma  disparidade de situações e uma série de problemáticas, inter-relacionadas entre si e transversais aos países, que atentam contra a almejada proteção e promoção da diversidade cultural. 

Em um trabalho anterior (Albornoz e Herschmann, 2007), destacou-se que para a Ibero-América: 

a) Foram constatados altos índices de concentração da propriedade dos meios de comunicação. Conglomerados empresariais como Prisa (Espanha), Globo (Brasil), Televisa (México), Clarín (Argentina) ou Cisneros (Venezuela) detêm, em seus respectivos mercados, posições dominantes na produção e na distribuição de conteúdos culturais de todos os tipos. A esse respeito, um importante estudo coordenado recentemente por Becerra e Mastrini (2010) demonstra claramente os elevados índices de concentração dos meios de comunicação (imprensa, rádio e televisão aberta e paga) e da indústria das telecomunicações (telefonia fixa e móvel e internet) na região. 

Tomando como referência dados correspondentes a 2004, a pesquisa destaca que: “mais de 82% dos mercados de informação e comunicação na Ibero-América estão concentrados, em média, em apenas quatro operadoras. 
A mesma medição no tocante ao domínio de mercado da primeira operadora, no conjunto das indústrias infocomunicacionais, sobe, em média, para 45%”.

b) Historicamente, a Ibero-América tem-se caracterizado pela relação simbiótica estabelecida entre os meios de comunicação e a classe política. A região, com diversas nuanças, mostrou a ausência de uma concepção de serviço público para os meios audiovisuais: não foram estabelecidos sistemas públicos de radiodifusão e as mídias comunitárias foram marginalizadas. Por outro lado, entre os governantes (de caráter democrático e ditatorial) se primou pela concepção instrumental dos meios de comunicação, transformando-os em “correias de transmissão” do ideário “oficialista”. Mergulhando na história da televisão, encontramos casos extremos como as intrincadas relações entre o PRI e a Televisa ou o apoio que O Globo prestou ao candidato Fernando Collor de Melo nas eleições presidenciais de 1989. Em alguns países, foram constatadas situações estruturais graves. Assim, por exemplo, Santos e Capparelli (2005) optam por utilizar o termo “coronelismo eletrônico” para descrever as históricas relações clientelistas entre a administração brasileira e os donos das cadeias de televisão aberta.

c) É incontestável a opacidade que domina a produção e a provisão de dados sobre os setores da informação, da comunicação e da cultura. Em geral, os países da região carecem de dados sistemáticos e confiáveis elaborados por órgãos independentes competentes. Muitos dados não são produzidos (por desconhecimento de sua importância ou por dificuldades de outra índole: custos, falta de colaboração dos agentes, economia informal etc.) ou estão nas mãos de empresas ou associações profissionais que dificultam seu conhecimento por parte do público. Assim, por exemplo, é quase impossível saber quantos exemplares de jornal são vendidos pelos principais grupos editores do México (país com 100 milhões de habitantes), já que essa informação é considerada “sigilosa” em razão da disputa interempresarial pelo mercado de leitores.

d) Verifica-se um desconhecimento sobre as relações entre economia e cultura. Os responsáveis por elaborar políticas de cultura e comunicação vêm trabalhando com escassos indicadores tanto quantitativos quanto qualitativos, sobre as atividades culturais. Portanto, é impossível realizar comparações entre setores, países e blocos regionais ou saber qual é o peso econômico das atividades desenvolvidas pelos meios de comunicação e outros setores da cultura. Como assinala Bonet i Agustí (2004): a informação estatística disponível sobre o setor cultural é escassa, com limitadas séries temporais, pouco homogênea país a país, e com uma baixíssima capacidade para se ajustar às novas necessidades informativas do mundo contemporâneo. Gerar estatísticas, é caro, exige rigor e continuidade temporal. Os governos e suas instituições com responsabilidade ou fundos para realizá-las (institutos de estatística, bancos centrais, ministérios) tendem a se concentrar nas grandes magnitudes econômicas e sociais, ou ainda naqueles indicadores requeridos pelas instituições intergovernamentais. A cultura, em geral, não faz parte deles. 

e) Nesse âmbito, resta destacar as dificuldades enfrentadas pela circulação das produções culturais tanto entre os países da região quanto dentro deles próprios. Embora se verifique a existência de políticas nacionais e de programas de cooperação internacional (como o Ibermedia), que influenciam na produção e na coprodução de conteúdos, encontram-se graves falhas na hora de colocá-los ao alcance de seus públicos potenciais. Estruturas de mercado oligopólicas, concorrência desleal, altos custos de distribuição e promoção, falta de infraestruturas básicas ou ausência de acordos alfandegários são algumas das dificuldades enfrentadas pela distribuição. Essas dificuldades afetam diretamente o consumo de tais produções (muitas vezes financiadas parcialmente com recursos públicos) por estar vetado o acesso à maioria dos cidadãos ibero-americanos.

por LUIS A. ALBORNOZ


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