segunda-feira, outubro 26, 2015

"O Segredo" propõe narcisismo espiritual

Acredite, você pode. Você cria a sua realidade. O seu pensamento é tão forte que pode fazer de você uma pessoa rica e próspera. Ou você pode escolher passar por esse mundo de forma anônima, insignificante. Você pode escolher ser rico ou pobre, bem-sucedido ou fracassado.
Essas afirmativas fazem parte do arsenal positivista de "O Segredo", uma nova onda que está se espalhando pelo mundo.


"O Segredo viajou através dos séculos para chegar até você. Durante séculos ele permaneceu guardado e restrito a um pequeno grupo de pessoas. Agora, pela primeira vez na história, esse fantástico conhecimento se torna acessível e você poderá conhecer o Segredo que mudou radicalmente a vida de personalidades como Platão, Einstein, Beethoven, Shakespeare e Newton. Neste filme surpreendente, filósofos, físicos quânticos, médicos, professores e escritores revelam e explicam o conteúdo do Segredo e como ele transformou a vida das pessoas que tiveram acesso a ele, em suas histórias de conquista de bens materiais, relacionamentos afetivos, na superação de problemas e até na cura de doenças".
Esse é o mote da campanha publicitária do filme e, agora, do livro "O Segredo", uma fórmula mágica de se alcançar tudo, mas tudo o que você deseja, mesmo! O livro já é um dos maiores fenômenos editoriais do mercado norte-americano.
Em dois meses vendeu 6 milhões de exemplares e lidera a lista do New York Times há várias semanas. A primeira tiragem do livro de 130 mil exemplares já se esgotou no Brasil.
O DVD é o mais vendido no amazon.com, um dos principais sites de comércio eletrônico do mundo, ultrapassando filmes como "Cassino Royale", "Borat", "Babel" e "Os Infiltrados".
A fórmula foi criada pela produtora de TV australiana Rhonda Byrne, mais conhecida por um programa chamado "Os Melhores Comerciais do Mundo".
"Há um ano, minha vida havia desmoronado. Eu estava exausta de tanto trabalhar, meu pai morreu subitamente e meus relacionamentos com meus colegas de trabalho e os amorosos eram turbulentos. Eu mal sabia, na época, que do meu maior desespero viria o maior presente. Eu tivera um vislumbre de um grande segredo através de um livro centenário que eu ganhara de minha filha Hayley. Comecei a investigar O Segredo ao longo da história. Incrédula, perguntei: "Por que nem todos sabem disso"" Um desejo ardente de partilhá-lo com o mundo me consumia, e comecei a procurar pessoas ainda vivas que o conhecessem", justifica Byrne.
AGENDA ""O Segredo", de Rhonda Byrne. Ediouro. 200 págs. R$ 39,90.
Pensamento egocêntrico
Imagine se todas as pessoas do mundo desejassem, ao mesmo tempo, uma BMW" A força de seus pensamentos é tão forte, positiva e obstinada que elas conseguiriam materializar em suas vidas o objeto de seus desejos. Um mundo com 6,6 bilhões de BMWs circulando pelas ruas.
Um mundo insustentável em todos os sentidos. Os recursos energéticos necessários para uma produção automobilística dessa natureza, por si só, já detonariam com os recursos naturais do planeta Terra. Utopia, histeria coletiva"
"Trata-se de uma visão mágica da vida, pré-racional, ou seja, semelhante àquela vivenciada pelos bebês quando ainda não conseguem distinguir entre a si mesmos e o mundo, isto é, são unos. É a mesma coisa", explica o psiquiatra e nutrólogo Frederico Porto que usa a obra do filósofo e psicólogo transpessoal Ken Wilber para respaldar a sua leitura do filme "O Segredo", que, no mínimo, está evocando reminiscências sobre o poder do pensamento positivo proposto por Norman Vincent Peale, em 1952, em seu livro homônimo e mais longe ainda, pelos provérbios bíblicos como o 23:7 "Como o homem pensa consigo mesmo, assim é".
O filme, segundo Porto, é uma abordagem totalmente egocêntrica da vida. "No filme, as pessoas ouvidas mudaram as suas vidas através da repetição e visualização do seu desejo. Um desejo material, egocêntrico e que não contempla o mundo ou seus semelhantes. Ninguém pede o entendimento entres os povos. Todos querem bens materiais e acreditam que o seu desejo vai se realizar com o simples poder do pensamento positivo. É a mesma coisa que você acreditar que carregar um pé de coelho vai te dar sorte, que um dente de onça vai de te dar força. O mágico é achar que o objeto personifica e não representa", ensina o psiquiatra.
Porto explica que existem dois extremos: a pessoa que acredita que tudo o que não é racional é pré-racional e tudo que não é racional é transracional ou transpessoal.
"Quanto mais evoluída a pessoa, mais ela se identifica com o universo como um todo. Quanto menos evoluída, mais egocêntrica. Em `O Segredo", as pessoas estão preocupadas apenas com elas mesmas. É um pensamento narcísico, pré-racional, que não enfoca o outro. O ego sobrepuja o transcendental. Poderíamos dizer que está ocorrendo uma hipertrofia coletiva do ego", avalia.
O psiquiatra discorre sobre a tendência coletiva de se buscar milagres, soluções imediatistas para solucionar problemas.
"O mal do mundo moderno é que as pessoas só acreditam naquilo que podem palpar. Se esquecem de olhar para dentro de si mesmas. Falta a elas inserir em suas rotinas diárias um pouco de contemplação que traz a paz e o reconhecimento de suas ânsias mais autênticas".
O caminho normal de evolução da consciência seria, segundo Porto, do nível préracional mágico, passando pelo racional e chegando ao nível transracional ou integral.
O que está ocorrendo é que um grande número de pessoas está fixado no nível mágico. `O Segredo" é a prova disso. Pessoas que acreditam no mágico, pontua. Mas por que está acontecendo esse fenômeno em pleno século XXI, na era da globalização"
"Um dos motivos seria as religiões que não evoluíram e é nelas que estão os principais mitos. O mundo moderno não tem mais magia. Não há nenhum mito novo. As partes místicas e mágicas das religiões infantilizam em vez de levar o homem à evolução. Deus é uma experiência pessoal, mas as pessoas se esquecem disso e o estão buscando fora delas, de forma equivocada", provoca Porto.
Mas o que justifica essa febre coletiva" "Está ocorrendo uma simplificação do mundo. É mais fácil acreditar no mágico, regredir para o préracional do que encarar a realidade. Quando você foge da realidade, está reprimindo aspectos da sua realidade que você não gosta. Tudo que você reprime se transforma em parte de sua sombra", alerta o psiquiatra.
Porto considera que a busca por um sentido maior é uma necessidade humana, "uma força evolutiva e que sempre caminha para maior complexidade e assim para uma inclusão de um maior número de seres vivos. Mas para que isso aconteça de maneira equilibrada temos de, ao mesmo tempo, integrar e transcender o ego. Somente quem já é capaz de fazer essa integração é capaz de transcender. Daí a importância de se trabalhar a sombra para que não passemos a identificar o divino no ego".
Técnica indiana ensina a realizar projetos
Os indianos não propõem milagres e tampouco são apegados ao mundo da matéria, como estimula o filme "O Segredo". Mas dentro de sua cultura existe uma prática que ajuda a pessoa a conseguir realizar os seus projetos, o sankalpa, palavra sânscrita que significa resolução interior.
Segundo a instrutora de asthanga ioga Tânia Álvares, "sankalpa é uma frase curta, concisa, clara e altamente evocativa e tem o objetivo de potencializar algum aspecto positivo da personalidade no nível subconsciente. Ele fortalece a estrutura da mente e desperta as forças latentes que facilitarão a realização dos nossos objetivos".
Mas a instrutora faz uma ressalva: Embora o sankalpa se faça mentalmente, ele começa no coração. O desejo deve sempre se conjugar no presente.
Se você pensar no futuro, nunca vai conseguir realizar seu sankalpa porque a mente subconsciente só entende o presente. O sankalpa pode trabalhar nos níveis físico, vital, emocional ou mental, dependendo da sua necessidade, ensina Tânia.
DEPOIMENTO CARLA DIAS DE SOUZA/ ENGENHEIRA CIVIL
Na verdade, de alguma maneira, eu já fazia uso de atitudes relacionadas no filme "O Segredo", mesmo sem ter certeza de que poderiam funcionar. Sempre agradeço por tudo o que tenho e passei a agradecer mesmo antes de receber.
Quando tive contato com o filme, pude perceber que muito do que eu já possuía tinha origem nas minhas atitudes. Acredito que se eu quero muito alguma coisa, eu posso conseguir, e mais, que sou merecedora. O que mudou foi que comecei a colocar no papel, escrever e ler diariamente minhas anotações.
Acredito que, agindo dessa forma, coloco energia diária sobre as coisas que quero atrair pra mim. Outra coisa interessante é que parei de reclamar, fazia muito isso, hoje só falo do que quero. Tudo começou a acontecer na minha vida, com maior agilidade. Utilizo a lei da atração o tempo todo e tenho colhido os frutos que desejo.

ANA ELIZABETH DINIZ/ ESPECIAL PARA O TEMPO

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