segunda-feira, novembro 16, 2015

Como a mídia e os países ocidentais subestimaram o poder do Estado Islâmico?

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O Estado Islâmico (ISIS) atacou com uma velocidade brutal, enquanto o mundo esperava passivamente pelas respostas, incapaz de entender um inimigo tão complexo, graças a uma mídia obcecada em sensacionalismo e uma indústria editorial lenta, que julgam a análise em profundidade “muito histórica” para servir como publicação. No entanto, Patrick Cockburn, autor de livro recém lançado no Brasil, “A Origem do Estado Islâmico” e colunista do jornal inglês The Independent, contraria essa ideia e aponta soluções.
Leia a seguir o artigo na integra:
O Estado Islâmico (ISIS) atacou com uma velocidade brutal, enquanto o mundo esperava passivamente pelas respostas, incapaz de entender um inimigo tão complexo, graças a uma mídia obcecada em sensacionalismo e uma indústria editorial lenta, que julgam a análise em profundidade “muito histórica” para servir como publicação. No entanto, Patrick Cockburn, autor de livro recém lançado no Brasil, “A Origem do Estado Islâmico” e colunista do jornal inglês The Independent, contraria essa ideia e aponta soluções.
Leia a seguir o artigo na integra:
Continuo achando surpreendente que nenhum governo ocidental tenha calculado a força crescente do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (conhecido como ISIS ou EI) nos 18 meses antes dele capturar boa parte do norte do Iraque e Síria.
Havia muitas provas de que organizações como o ISIS e a Al-Qaeda tornaram-se mais fortes a cada dia nas guerras ocidentais dentro do Oriente Médio. Mesmo assim, em janeiro deste ano (2015), o presidente americano Barack Obama comparou levianamente o ISIS à uma equipe júnior de basquete universitário, que nunca aucansaria seu sucesso, podendo ignorar todas suas ações.
Obama falava neste tom mesmo após o ISIS capturar a cidade de Faluja, 60 quilômetros a oeste de Bagdá, e impossibilitar que uma força de 350.000 homens do exército iraquiano retomassem-a. No verão anterior, combatentes do ISIS tiveram sucesso no ataque à infame prisão de Abu Ghraib, libertando centenas de seus combatentes mais experientes. Em campos de treinamento nos desertos do Iraque e da Síria, as milicias do ISIS estavam se preparando para um avanço espectacular no Verão de 2014, visando criar um “Califado” do tamanho da Grã-Bretanha, defendido por um exército mais forte do que de muitos membros da ONU.
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O mundo lá fora pode ter sido surpreendido com o crescimento explosivo de ISIS, mas os políticos iraquianos me avisaram há anos que, se a guerra na Síria continuasse, ela iria desestabilizar o Iraque e levar à retomada em grande escala da guerra civil entre sunitas e xiitas. Eles também previram, com diferentes graus de ênfase, que o exército iraquiano estava apodrecido pela corrupção e não era mais capaz de lutar uma batalha.
Eu estava escrevendo sobre o poder crescente de ISIS e outros jihadistas no Iraque e na Síria desde o segundo semestre de 2013. Em dezembro de 2013, nomeie o líder do ISIS, Abu Bakr al-Baghdadi, como o “Homem do Ano no Oriente Médio” para a The Independent. Em março, escrevi uma série textos para um artigo chamado “O Segundo Ato da Al-Qaeda”. Na primeira frase dizia: “As organizações do tipo da Al-Qaeda, com as crenças e os métodos de funcionamento semelhantes àqueles que elaboraram os ataques de 11 de Setembro, se tornaram uma força letalmente poderosa a partir do rio Tigre até o Mediterrâneo no decorrer dos últimos três anos”.
Os cinco artigos tentaram mostrar o quão forte era Estado Islâmico no território iraquiano e, ainda, que ele era capaz de cobrar tributos em cidades árabes sunitas como Mosul e Tikrit, embora estivessem nominalmente sob o controle do governo oficial de Bagdá. Escrevi que a “Guerra ao Terror” tinha falhado miseravelmente, apesar dos EUA, e muitos de seus aliados, adotarem “procedimentos associados com estados políciais, como prisão sem julgamento, detenções secretas, tortura e espionagem doméstica”. Os artigos atrairam algum interesse entre aqueles que acompanhavam de perto os acontecimentos no Iraque e na Síria. Mas, apesar disso, fiquei desapontado com o pouco reconhecimento do perigo real.
Logo depois, participei de uma conferência com especialistas em Oriente Médio em Amã, na Jordânia, sobre a guerra na Síria, onde defendi o ponto de que o ISIS já era poderoso o suficiente para efetuar operações em uma grande faixa territorial. A única pessoa que parecia concordar comigo foi Gareth Stansfield, Professor de Política do Oriente Médio e diretor do Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade de Exeter, que conhecia bem o Iraque. Tive a sensação de que os outros debatedores consideraram nossos pontos de vistas exagerados, até mesmo excêntricos.
Um tópico desta complexidade requer um livro para explicar o que está acontecendo. Fiquei um pouco chocado ao descobrir que os editores com quem falei sobre a publicação há um ano ou mais tinham declinado. Senti uma tristeza profunda ao ver que o ISIS, já conhecido pela velocidade de seus ataques selvagens, era muito mais rápido também do que a indústria editorial.
Os jihadistas na Síria e no Iraque tornaram se rapidamente hábeis na web e nas mídias sociais para espalhar sua mensagem — e eu não entendo o motivo dos editores não fazerem a mesma coisa. Eu senti essa frustração oito ou nove anos atrás, quando queria escrever um livro sobre a invasão do Iraque e suas conseqüências. Minha agente literária então me disse, “os editores não querem encomendar livros sobre a guerra no Iraque, pois eles temem que ela possa terminar na época de sua publicação, o que faria com eles não vendessem”. Dado o tempo entre a encomenda e a publicação, eu entendi o seu ponto. Por ventura, Tom Penn da Verso Books me pediu para escrever um livro chamado “The Occupation: War and Resistance in Iraq” [A Ocupação: Guerra e Resistência no Iraque], publicado em 2006, que vendeu razoavelmente bem.
Isso não quer dizer que os bons livros não foram escritos sobre a invasão e ocupação do Iraque. Eles foram, e eu reli muitos deles nos anos seguintes. Mas pensei, muitas vezes, que era uma pena que os melhores livros aparecessem meses ou anos depois, quando a agenda do noticiário já tinha mudado de pauta.
O debate sobre o que fazer no Iraque tinha se encerrado no mesmo tempo que eles foram publicados e, assim, esses livros foram privados da influência que deveriam ter tido sobre a opinião pública, enquanto esta ainda estava sendo moldada sobre o assunto. Nos anos entre 2003 e 2008, quando estava em Bagdá, escrevi relatórios quase diários para o The Independent, que geralmente saíram no dia seguinte, bem como ensaios freqüentes para o London Review of Books, que apareceram um par de semanas mais tarde. Mas se eu fosse escrever um livro, descobri que na era da Internet e das comunicações instantâneas, editores movido a um ritmo que Caxton e Guttenberg achariam familiar, negociariam em meses ou anos antes da publicação.
Um resultado dos meus escritos sobre a ameaça de ISIS foi receber um convite de uma instituição cultural de Nova York chamada Alwan for the Arts, que me arranjou algumas palestras em Abril na Columbia e na Universidade de Nova York sobre o ressurgimento da Al-Qaeda e o ISIS no Oriente Médio.
Entre os presentes estava o meu ex-editor Colin Robinson, que tinha encomendado dois livros para mim quando ele ainda estava na Simon & Schuster, uma grande editora de Nova York. Eu tinha lido com interesse uma obra que ele tinha escrito um ano antes, “Ten Ways to Save the Publishing Industry” [Dez Caminhos para Salvar a Indústria Editorial], em que defendia a publicação rápida, o livro vai direto do editor para o leitor como um paperback ou um ebook; indo para as livrarias numa fase posterior.
Eu achei aquelas idéias muito atraentes. Ele escreveu que, “para os livros que tratam de assuntos correntes ou tendências culturais em voga (…) as vantagens de edições digitais distribuídas direto para o leitor são enormes”. Ele enfatizou que as normas editoriais tiveram que ser mantidas muito elevadas para distinguir o livro da grande massa de informações que inundam a Internet.
Na sequência da minha palestra na Universidade de Nova York, Robinson disse que gostaria que a empresa que ele havia fundado, a OR Books, publicasse um livro meu sobre a origem do ISIS e, tornando a sua oferta verdadeiramente atraente, ele poderia publicá-lo seis semanas depois de receber o texto terminado. Era para ser chamado The Jihadis Return: Isis and the New Sunni Uprising [O Retorno dos Jihadistas: ISIS e a Nova Primavera Sunita].
Eu escrevi a maior parte do livro no início de Junho de 2014 e quase imediatamente tive que reescrevê-lo. Tinha planejado voltar para o Iraque depois completá-lo, a fim de escrever sobre os homens-bomba jihadistas estrangeiros vindo do outro lado da fronteira da Turquia para a Síria e depois para o Iraque, onde eles se explodiam, causando inúmeras vítimas civis. Iraquianos bem informados me disseram que cinco das 15 divisões do exército iraquiano tinham sido derrotadas com pesadas baixas na província de Anbar, uma área gigante que cobre o oeste do Iraque.
Nesta época, eu estava um pouco atrasado para Bagdá, porque, em 10 de Junho, o ISIS tinha capturado Mosul, capital do norte do Iraque, e em poucos dias tinha varrido o sul, quase chegando até Bagdá. Isso gerou um clima de nervosismo, com alguma coisa de histeria em Bagdá porque ninguém sabia se o próximo movimento de ISIS seria um ataque à capital. Fiquei por uma noite no meu hotel habitual, mas eu era o único hóspede e me senti completamente exposto. Então me mudei para a casa de um amigo que disse improvável que o ISIS atacasse a cidade — mas notei que ele passou um tempo ajustando a mira de um rifle Kalashnikov.
Eu tinha uma certa satisfação sombria em ver minha avaliação da força de ISIS — e a fraqueza do Estado iraquiano — se provando verdadeira no campo de batalha. Mas eu também estava muito consciente de que a vitória temporária dos jihadistas, a quem um jornalista afegão chamou de ” santos fascistas”, estava trazendo a morte, terror e a miséria para os iraquianos, um povo pelo qual tinha desenvolvido uma simpatia profunda desde que os visitei pela primeira vez em 1977.
Durante a minha estadia no Iraque, me atualizei e reescrevi o meu livro para incluir os mais recentes acontecimentos, tais como Al-Baghdadi declarando um Califado e as campanhas vitoriosas de ISIS durante um período de 100 dias. O livro foi lançado em agosto como um livro de bolso e ebook, vendeu bem e foi logo traduzido em 11 idiomas. Estava preocupado com o fato de que um livro só era vendido a partir do site do editor e pudesse passar despercebido, embora tratasse de um tema relevante aos acontecimentos atuais. Mas descobri que, ao contrário, ele foi tão oportuno, gerando muitos pedidos de entrevista. O livro está agora sendo relançado na Inglaterra e nos EUA pela Verso Books [e agora também no Brasil, sob o título Origem do Estado Islâmico: O Fracasso da “Guerra ao Terror” e Ascensão Jihadista, pela Autonomia Literária).
Gostaria de pensar que esse livro vai ajudar as pessoas a preencherem uma grande lacuna sobre o que está acontecendo no Iraque, na Síria e em todo o Oriente Médio. Não é que as reportagens jornalísticas, de rádio e de televisão sobre as crises do Oriente Médio estejam necessariamente erradas, mas sua qualidade e quantidade da informação transmitida é prejudicada pela própria urgência e brevidade dos relatos diários. Esse formato simplesmente não pode explicar algo tão complexo quanto as razões por trás da ascensão do Estado Islâmico. A única maneira disso ser feito é por meio de livros atualizados e com boa informação. Lê-los não é apenas a melhor maneira de entender o que está acontecendo; é a única maneira de fazê-lo. Escolas, Universidades e até mesmo editoras não batem nessa tecla forte o suficiente. “



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