domingo, novembro 15, 2015

Reconstruções digitais: uma nova forma de fazer neurociência

O futuro da biblioteca passa sobre um série de fatores e influências algumas são externalidades, veja um delas, nessa hipótese, se em um futuro próximo isso for realizado, um novo tipo de biblioteca poderá surgir, sem livros!  Héberle



Um dos autores principais da pesquisa Blue Brain Project, que pretende recriar um cérebro humano em ambiente digital.



Cientista indiano é um dos programadores que elaboraram o algoritmo – espécie de fórmula – do “cérebro digital”. Ele falou a sobre a importância da conquista, os desafios que a equipe ainda enfrentará e como a inteligência artificial deve ser abordada.
E-G
O indiano Srikanth Ramaswamy é formado em engenharia elétrica pelo Instituto Nacional de Engenharia, em seu país natal. Mas sua paixão foi cair mesmo nas neurociências. Em 2006, ele se juntou ao time do professor Henry Markram no Blue Brain Project para realizar as pesquisas de seu doutorado. Sua função é modelar as conexões sinápticas entre os neurônios e validar o modelo com dados experimentais. Junto com o professor Markram, ele respondeu às perguntas de O TEMPO sobre o projeto, que está sendo visto como uma nova fronteira da ciência moderna.
Por que é tão importante recriar o cérebro? Há várias maneiras de responder a essa questão. A primeira delas é que o processo de construção da recriação é enormemente informativo. A única forma de construir um modelo compreensível a partir de dados esparsos é explorar as interdependências presentes nos dados experimentais. Reconhecer essas interdependências é um passo imenso na direção do entendimento. Além disso, discrepâncias entre a reconstrução e os dados experimentais fornecem outras ideias – ressaltando erros na reconstrução, mas também nos próprios dados experimentais.
E as demais possibilidades de resposta, quais são? As reconstruções e as simulações digitais fornecem uma nova forma de fazer neurociência. Uma vez estabelecido que a simulação pode fornecer respostas confiáveis para uma classe específica de perguntas científicas, os pesquisadores podem explorar essas perguntas usando a simulação antes de partirem para os testes em animais ou em tecidos biológicos. Isso lhes permite fazer experimentos de forma muito mais rápida e a um custo muito mais baixo do que seria possível com métodos alternativos. Além disso, nos experimentos “in silico” (no silício, ou seja, em ambiente digital), ao contrário dos experimentos biológicos, os pesquisadores podem estimular, manipular e medir cada aspecto do sistema que eles estão estudando e repetir os experimentos quantas vezes quiserem. Isso torna possível realizar estudos que não seriam factíveis em laboratório.
O senhor acredita que, entendendo a fisiologia do cérebro, conseguiremos compreender também a mente das pessoas? A personalidade é o que distingue uma pessoa da outra. O que estamos estudando no momento é a biologia, que todos os cérebros têm em comum. Mas, é claro, quando a biologia tem alguma falha – como nas doenças, por exemplo –, ela pode afetar profundamente a personalidade. Contudo, no momento, isso é bem prematuro, pois estamos estudando o cérebro de ratos, e não de humanos.
Quão longe o senhor acredita estarmos de criar um cérebro humano completo? Se nos ativermos ao nosso nível de detalhamento, devemos ter um rascunho de reconstrução do cérebro de um rato nos próximos anos. Mas, evidentemente, nosso nível de detalhamento está muito longe de estar completo. Por exemplo, nós ainda não modelamos a plasticidade do cérebro, a glia (célula cerebral provavelmente envolvida na ligação de áreas diferentes do órgão), a neuromodulação e o metabolismo. Nós temos planos de fazer isso, mas levará um tempo considerável.
O físico Stephen Hawking tem sido muito crítico com a forma como estamos tratando a inteligência artificial. O senhor acredita que estamos preparados para ter um cérebro eletrônico totalmente funcional? A inteligência artificial é uma ferramenta para a qual os humanos estabelecem as metas. Ela não tem metas próprias. Dito isso, os humanos podem causar muitos danos de posse de ferramentas. Qualquer tecnologia é perigosa. Nós precisamos de um debate social sobre isso. Ainda temos um caminho longo pela frente até alcançarmos um cérebro eletrônico completo. Por ora, algumas tecnologias, como a aprendizagem profunda, parecem ser mais relevantes para essa pergunta do que o nosso trabalho.
Vocês recriaram uma versão digital do neocórtex. Por que essa parte do cérebro é tão importante ao ponto de ter sido a primeira a receber sua réplica digital? Na verdade, o que nós fizemos foi reconstruir uma pequena parte do córtex somatossensorial (região do neocórtex). Escolhemos essa área porque ela já foi extensamente estudada por nós e por outros cientistas, e nós usamos os dados desses estudos tanto para construir o modelo como para validar sua precisão. Sobre as demais regiões do cérebro, nós já estamos trabalhando para fazer reconstruções digitais de todo o córtex somatossensorial (reconstruções em escala maior do que nossa reconstrução atual do microcircuito neural), do hipocampo, do cerebelo e do cérebro inteiro.
Qual é o próximo passo do projeto e quando ele ficará pronto? Nosso objetivo é escalar nossas reconstruções para cobrir regiões cerebrais inteiras, depois o cérebro inteiro de roedores e, por fim, o cérebro humano. Mas, antes de conquistarmos isso, ainda há muitos desafios à frente. Precisaremos de novas ferramentas – para, por exemplo, modelar partes do cérebro fora do córtex –, mais capacidade de computação, mais dados e mais algoritmos. Estamos fazendo progressos em todas essas áreas. As ferramentas, provavelmente, não serão um impedimento muito grande – há muito a ser feito, mas não enxergamos nenhuma barreira intransponível. O mesmo vale para a capacidade de computação de dados.
O supercomputador nós já possuímos – e os outros supercomputadores que podemos acessar por meio do Human Brain Projetct (projeto que pretende criar chips com características semelhantes às do cérebro) são poderosos o suficiente para simular um cérebro de rato completo no nosso nível de detalhamento atual. Os computadores em “exaescalas” maiores de que necessitaremos para simular o cérebro humano já estão na linha do horizonte.
“Ainda temos um caminho longo a percorrer até alcançarmos um cérebro eletrônico completo.”
“Antes de conquistarmos isso, há muitos desafios à frente, mas não enxergamos nenhuma barreira intransponível.”

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