Um dos melhores trabalhos da carreira do diretor, longa-metragem concorreu à Palma de Ouro em Cannes
Mortensen desconstrói a figura do herói no longa do diretor David Cronenberg
DANIEL OLIVEIRA O Tempo
É uma ironia apropriada que “Marcas da Violência”, uma desconstrução da figura do herói, seja a adaptação de uma história em quadrinhos lançada em 2005, bem no olho do furacão do gênero que invadiu Hollywood neste milênio. O longa de David Cronenberg, que o Sesc Palladium exibe amanhã, às 17h, é exatamente um estudo da violência como resposta à violência – da (i)moralidade inerente à percepção de que a brutalidade de um homem é justificada, e a de outros, não. De que os “humanos direitos” estão acima dos direitos humanos.
A genialidade de Cronenberg é mostrar como essa ideia é atraente, materializada no sex appeal do homem caucasiano, de porte físico invejável e com uma arma na mão, senhor de seu domínio. E é por isso que a escalação de Viggo Mortensen e seus traços heroicos do eterno Aragorn é perfeita.
Ele vive Tom Stall, dono de um bar em uma pacata cidade, que, ao defender seu estabelecimento de um roubo assassinando os ladrões, torna-se um herói nacional. O incidente é a porta de entrada do roteiro para o passado do protagonista e as
Mas o interessante é que, além do espectador, ninguém mais parece se interessar por esse passado. Stall é um pai de família defendendo sua propriedade e deixando o mundo com dois ou três bandidos a menos. Hoje em dia, ele seria o ídolo do Congresso Brasileiro – porque é branco, como o Superman; se fosse negro, seria um selvagem não-civilizado.
A única pessoa que começa a questionar isso é sua esposa, Edie (Maria Bello). E ela é “domada” por meio do sexo, que é um quase estupro. Mas ao herói branco é garantido o direito da violência, do sexo e da violência do sexo – homens brancos e bonitos não estupram. São intensos. É sexy. Cronenberg observa essas convenções mostradas em tantos outros filmes, perguntando “quem idolatra isso?”. Quem é o público que aplaude esse herói? E como diria Alan Moore, “quem vigia os vigilantes?”. Dez anos depois, é cada vez mais difícil encontrar essas respostas.
Em torno de Cronenberg
Mostra exibe filmografia completa do cineasta canadense e reflete sobre seus usos do dispositivo cinematográfico
JOYCE ATHIÊ
A filmografia completa do controverso David Cronenberg será exibida no Cine Sesc Palladium. Deste domingo até 26 de novembro, os 21 longas produzidos pelo cineasta canadense dão o panorama das formas em que o artista se utilizou – e refletiu – do dispositivo cinematográfico. As sessões acontecem de terça-feira a domingo, em horários diversos, e têm entrada gratuita.
Esta é a terceira edição da mostra, que já foi exibida também no Rio de Janeiro e em São Paulo. A versão mineira traz de singular a estreia de “Mapa para as Estrelas”, o filme mais recente realizado pelo cineasta, em 2014. Com roteiro de Bruce Wagner e atores como Julianne Moore, Mia Wasikowska, John Cusack e Robert Pattinson, o trabalho explora os demônios das sociedades contemporâneas obcecadas por celebridades.
O lançamento será feito na abertura da mostra, neste domingo, às 19h, juntamente com a exibição de um dos poucos curtas feitos pelo canadense, “Câmera”, de 2000, realizado com crianças.
Novidade. “Mapa para as Estrelas”, de Cronenberg, faz sua estreia no Brasil em mostra
Passando por clássicos como “A Mosca”, de 1986, até produções recentes, como “Cosmópolis”, de 2012, a mostra reflete as dimensões do cinema de Cronenberg, passando dos filmes mais conceituais aos mais populares.
“Ele é um cineasta diversificado. Sua trajetória tem momentos distintos, começando com filmes mais experimentais e de linguagem, que ele realizou no final dos anos 60 e início dos 70. Em seguida, vem a fase de terror, mais trash e escatológica, com muitas tripas e sangue. Foi o momento em que ele brincou de fazer terror com produções muito baratas e mal produzidas, sem a menor preocupação com a linguagem”, conta Guilherme Whitaker, produtor da mostra.
A fase mais recente de Cronenberg, segundo Guilherme, está relacionada a temas contemporâneos, como a tecnologia e as mídias, o corpo e questões que perpassam a sexualidade. “É quando ele vai dar mais atenção a elementos que estão presentes em toda sua obra, que investiga as transformações corporais das pessoas que interagem com as máquinas do mundo de hoje”, afirma.
Além da exibição da obra de Cronenberg, a mostra traz ainda um debate com Tadeu Capistrano, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No encontro, a ser realizado em 5 de novembro, após a sessão de “Senhores do Crime”, de 2007, o trabalho do cineasta é posto em discussão, explorando uma série de recortes temáticos, entre eles, as relações entre imagem e poder.
Agenda
O quê. Mostra David Cronenberg
Quando. Deste domingo a 26 de novembro
Onde. Cine Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, centro)
Quanto. Entrada gratuita, com retirada de ingresso 30 minutos antes. Espaço sujeito a lotação.
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