domingo, novembro 08, 2015

Os 70 são os novos 20

"Perdido em Marte" culmina um ano em que blockbusters de diretores veteranos dão aula de energia e originalidade


O roteiro é o básico Robson Crusoé perdido na ilha só que sem o sexta feira nem a ajuda do Wilson, onde tem de sobreviver com sua inteligência e sagacidade. Agora ambientado  em Marte, a cena onde o astronauta queima um crucifixo, é bem emblemática e mostra a encruzilhada do homem entre a religião a ciência, em uma situação extrema onde rezar seria de pouca valia. Mostra a transição da consciência do homem do pensamento mágico para o cientifico, para lidar coma realidade e os problemas da vida. Heberle

Ridley Scott
Retorno à forma. Ridley Scott tem recebido ótimas críticas por "Perdido em Marte"


O cinema hollywoodiano hoje é composto quase exclusivamente de megaproduções: longas com muito barulho, muitos efeitos, tramas simples e juvenis, primordialmente em 3D. É um cinema feito menos por um diretor do que por um comitê, em que um jovem cineasta (como o Colin Trevorrow de “Jurassic World”) é contratado para colorir dentro das linhas desenhadas pelo estúdio.
A ideia é que esses filmes são voltados para o público jovem, então o olhar de um realizador jovem vai imprimir o ritmo e a energia que se espera dessas produções. Se 2015 tem provado alguma coisa, porém, é que essa teoria está redondamente equivocada. Em termos de energia e diversão, a experiência está dando um banho na juventude.
O exemplar mais recente disso estreou nesta última quinta. “Perdido em Marte”, um dos longas mais bem-humorados e deliciosamente pop do ano, foi dirigido por Ridley Scott, do auge dos seus 77 anos. Cinco meses atrás, a maior pancada de adrenalina e visceralidade que o cinema de ação recebeu nos últimos tempos foi cortesia de outro septuagenário, George Miller e seu “Mad Max: A Estrada da Fúria”. Na verdade, o ano começou com outro veterano, Clint Eastwood, 85, ensinando a garotada como construir tensão e revitalizar um gênero desgastado como o filme de guerra, em “Sniper Americano” – maior bilheteria de 2014 nos EUA.

Scott e seu “Perdido em Marte” são a epítome dessa tendência por vários motivos. O longa é a adaptação de um best-seller, carregado de efeitos em cada detalhe dos cenários e com uma grande expectativa financeira do estúdio. Produções assim são microgerenciadas em cada decisão, têm longos cronogramas de filmagem e refilmagem ao redor do globo – um tipo de realização muscular que não é associada a cineastas veteranos, que preferem produções mais simples e caseiras, como Woody Allen e Polanski.
Ridley Scott encarou o desafio e fez do longa tudo que “Interestelar”, do jovem sucesso do momento Chris Nolan, queria ser. “Perdido em Marte” coloca a ciência de volta na ficção científica, transformando-a em uma história visual e narrativamente instigante, com a ajuda de um grande astro e um elenco que, bem escalado e dirigido, salva e eleva as partes mais pedregosas do roteiro.
Já George Miller foi bem além. O diretor usou uma das franquias ícone do cinema “macho man” dos anos 1980 para fazer um tratado feminista e narrar uma revolução matriarcal em “Mad Max: A Estrada da Fúria”. Mais do que isso, ele provou com um longa quase desprovido de CGI que não existe efeito ou revolução digital que seja páreo para uma realização competente.
Porque o arroz com feijão sem sal de “Jurassic World” pode ser a maior bilheteria do ano, mas a imagem que será lembrada no fim de 2015, ou daqui a 15 anos, é a de um homem tocando uma guitarra em chamas no meio de uma perseguição surreal no deserto. Muitos críticos acreditam que isso renderá a Miller uma indicação ao Oscar.
É essa ousadia – semelhante àquela atitude “não devo nada a ninguém” do seu avô – que dá o caráter tão refrescante e menos pasteurizados desses filmes. Muitos blockbusters são colocados nas mãos de jovens promissores, mas ainda despreparados – que, ainda tendo muito a provar, arriscam pouquíssimo e comprometem muito de sua visão no resultado final. E muitas vezes, eles se queimam, caso de Josh Trank: aclamado por “Poder sem Limites” e destruído pelo recente “Quarteto Fantástico”.
Quando um cineasta sente que não tem mais nada a provar a ninguém, o resultado é algo como “O Lobo de Wall Street”, uma das comédias mais subversivas e provocativamente engraçadas produzida por um grande estúdio nos últimos anos. Se você parar para pensar, enquanto Martin Scorsese dirigia uma enorme orgia gay do alto de seus 72 anos, Morten Tyldum, 48, dirigia algo careta e conservador como “O Jogo da Imitação”.
E abrindo um pouco o espectro, isso também acontece fora de Hollywood. Enquanto o provocador Gaspar Noé, 52, tentou subverter o uso do 3D e fez um pornô machista e de diálogos vergonhosos em “Love”, o veterano Jean-Luc Godard, 74, fez isso sem precisar apelar para a putaria, em “Adeus à Linguagem”, e saiu de Cannes com o Prêmio do Júri. São os setentões provando que velho é, literalmente, a vovozinha. Ou o seu netinho.


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