domingo, novembro 08, 2015

Vida fantástica do baixo centro

O artista gráfico Jão lança o livro “Baixo Centro”, um retrato da região responsável pela explosão cultural de BH


Conceitos. O artista gráfico Jão demorou cerca de dois meses para concluir todas as ilustrações que preenchem o livro “Baixo Centro”, enquanto elaborava o roteiro da história em parceria com o poeta mineiro Rafael. O livro tem uma tiragem inicial de 1.500 exemplares e foi impresso em um formato pouco convencional, em proporção similar ao papel A3, diferente das histórias em quadrinhos menores e mais tradicionais, justamente para ressaltar o detalhismo das ilustrações de Jão.
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Foi ali, na calçada da rua Aarão Reis, onde a população em situação de rua busca abrigo e o sertanejo de raiz rola solto nos botecos apertados, que o Carnaval de Belo Horizonte puxou seus primeiros blocos para uma cidade quase morta em fevereiros de folia. O mesmo cartão-postal fez o Duelo de MCs explodir como movimento nacional e também instaurou uma praia cheia de vida na cinzenta praça da Estação. Todos os sinais das ebulições artísticas em prol da ocupação de espaços públicos em Belo Horizonte foram o cenário para que o artista gráfico Jão, 28, elaborasse a sua primeira novela em quadrinhos. Intitulado “Baixo Centro” (R$ 24,90), o livro a ser lançado pela editora Miguilim, hoje à tarde, embaixo do viaduto Santa Tereza, faz um retrato político inédito de uma região fundamental para a construção artística que a cidade ainda vive.
Imerso no universo dos quadrinhos há oito anos, Jão é idealizador da Feira Faísca – Mercado Gráfico, a primeira periódica de Belo Horizonte, e tem participações no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), sendo publicado em antologias como “MSP Novos 50” (Panini, 2011) e “Imaginários em Quadrinhos” (Draco, 2013). Além disso, ele ainda faturou o 23º Troféu HQ Mix, em 2012, com a história “Little Heroes”, distribuída pela Editora Diamond, nos Estados Unidos.
Apesar de uma trajetória respeitável, em meados de 2012, enquanto morava na rua Carijós, no centro da capital mineira, Jão começou a desenvolver algo que nunca havia feito: sua primeira novela em quadrinhos. “Eu reparava nos ambientes. A escadaria atrás do metrô etc. E aquilo tudo me parecia meio misterioso, com um cenário dessas histórias de aventuras mesmo”, explica o quadrinista.
Longe de apontar um enredo cronológico sobre movimentos ou momentos emblemáticos para a cidade, “Baixo Centro” propõe um debate moral mais profundo sobre as consequências dessa ocupação.
A história é protagonizada por dois personagens que não têm nome e passam a maior parte do tempo correndo por locais emblemáticos da cidade, como a escadaria colorida atrás da Estação Central de Metrô, as fontes da praça Rui Barbosa, a vista cenográfica da rua Sapucaí e a emblemática esquina da rua Aarão Reis com a rua Caetés. Durante a correria, uma multidão se junta para perseguir os dois personagens com ódio e violência. “No fim de 2014, no contexto político do país, estavam rolando esses discursos de ódio, linchamento público, galera querendo fazer justiça com as próprias mãos. E isso tem muito a ver com a ocupação dos espaços públicos, com a resistência de pessoas que não se sentem confortáveis com isso”, elucida Jão.
Um dos pontos mais interessantes da história é que não há qualquer diálogo entre as cenas, todas ilustradas em preto e branco e com diversas tonalidades de cinza, em uma influência que vai desde os filmes de Quentin Tarantino até os quadrinhos do italiano Hugo Pratt e do espanhol Miguelanxo Prado, segundo o próprio autor. “São influências de histórias de aventura, principalmente. E a ausência de diálogos foi natural, desde o início pensávamos nisso. Uma história falada em imagens, que pudesse mostrar esse dilema moral da ocupação de espaços. Fico feliz porque, como uma história em quadrinhos, é o primeiro registro de um movimento tão importante para a cidade”, disserta Jão.

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