Dica de um tecnologia fantástica. HB
Pelo grupo “delete detox digital e uso consciente de tecnologias” já passaram mais de 500 pacientes desde o início dos atendimentos em 2013
Era um cruzeiro. Meio do oceano, zero de conexão com o mundo exterior. Mesmo assim, a jornalista de moda Tati Barros, 26, ficava com o celular o tempo todo na mão, como se estivesse cheia de mensagens e ligações para responder.
“Não conseguia me desapegar dele! Ficava fingindo que tinha wi-fi, vendo e revendo as fotos da viagem o tempo todo”, confessa, rindo. Ela, que também trabalha com gerenciamento de redes sociais, fica o dia inteiro online. “Isso é meio que uma desculpa porque até quando não estou trabalhando, estou com o smartphone na mão e olhando mensagens”, diz ela, que admite ser viciada em internet. Apesar da alta frequência de uso, seu vício não é algo que chegue a incomodar. “Faço terapia, e isso nunca chegou ao ponto de ser assunto em sessão”, diz.
Já o criador do site Mude.nu, Walmar Andrade, sentiu que precisava se desconectar um pouco. “Eu tinha um monte de coisas para fazer, mas sempre acabava me perdendo no triângulo das bermudas da internet, passando horas no Facebook, no Twitter ou em portais de notícias. Aquilo não fazia o menor sentido”, relata ele. Ele resolveu seu problema bloqueando certos sites e dificultando o próprio acesso às distrações na internet.
Segundo um estudo realizado pela consultoria ATKearney, mais da metade dos brasileiros (51%) permanecem online o dia inteiro, e 21% acessam a internet mais de dez vezes ao dia, fazendo o país liderar o ranking do tempo de conexão. Para algumas pessoas, superar o vício em internet não é tão simples, e depende de ajuda profissional. Esse tratamento vem sendo chamado de “detox eletrônica”.
"Algumas pessoas estão em um nível tão expressivo de dependência que não têm mais controle sobre o comportamento abusivo. Dependendo da situação, entramos até com medicamentos”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Núcleo de Terapias Virtuais do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq/USP).
No núcleo, o atendimento é feito em grupo e é gratuito. São oito encontros semanais, em que os especialistas do grupo orientam a pessoa sobre a melhor forma de lidar com a dependência. “Fazemos uma abordagem com a terapia cognitiva. A ideia é que, desde o começo, a pessoa comece a perceber quais situações desencadeiam a busca pela internet”, diz Nabuco.
Isso porque o cybervício tem sido mais considerado uma consequência do que um problema em si. “É um sintoma de alguma coisa que não está sendo dita, falada, feita. Tem a ver com um problema que a pessoa não está percebendo. O tratamento é feito explorando o que está por trás”, comenta a psicóloga Ana Luiza Mano, coordenadora do grupo Psicólogos da Internet, que atende por e-mail casos de dependência da rede. Diferentemente do IPq, nesse grupo os atendimentos são feitos individualmente e são pagos de acordo com as possibilidades financeiras do paciente.
Um calmante?
A dependência em internet pode ser comparada a outros vícios. “Caminhamos para os mesmos patamares da dependência química, com o agravante de que o vício em drogas começa por volta dos 13 anos, e as crianças já são estimuladas com eletrônicos a partir dos 6”, afirma o assistente social do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi), Gustavo Lopes Jaques. “Da mesma forma que alguns alunos precisam sair da aula para fumar, outros precisam tirar o celular do bolso para mexer”, compara Wandré N. P. Veloso, professor de computação da Universidade Federal de Itajubá. A explicação pode estar nos neurotransmissores. “À medida que o uso da internet libera dopamina, é como se a pessoa tentasse se automedicar. Equivale a tomar um calmante”, diz Cristiano Nabuco, da USP.
No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais norte-americano (DSM, sigla em inglês) a dependência de internet já é vista oficialmente como um transtorno mental que requer tratamento específico com terapias e remédios. No Brasil, o problema começa ser reconhecido por trabalhos como o do Instituto Delete – núcleo criado dentro do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – que trata usuários abusivos ou dependentes das tecnologias.
Pelo grupo “delete detox digital e uso consciente de tecnologias” já passaram mais de 500 pacientes desde o início dos atendimentos em 2013, segundo a fundadora e psicóloga, Anna Lúcia King.
“Somos à favor das tecnologias, mas defendemos apenas o uso consciente delas. O uso patológico está ligado a alguns transtornos como ansiedade, pânico e depressão, e o tratamento médico e psicológico gratuito é direcionado para esse transtorno primário que está gerando essa utilização abusiva”, diz.
Um dos aliados para a utilização saudável da internet poder ser inclusive a própria tecnologia. Recentemente, o Instituto Delete, fechou uma parceria com uma empresa brasileira que desenvolveu um aplicativo que ajuda as pessoas a se desconectar. Pelo Offzone Work, os funcionários que atingirem a meta de não utilização do celular no local de trabalho são beneficiados com descontos em mais de 600 serviços parceiros, conta Cardoso Neto – um dos sócios-fundadores da empresa.
“As distrações acabam gerando uma perda de produtividade por conta do uso do celular. Só que as empresas hoje tomam algumas medidas para a proibição da utilização de smatphones como armários ou chamando a atenção dos funcionários, mas o conceito que buscamos é beneficiar quem faz coisas boas e não punir quem faz coisas erradas”, afirma Neto.
A FPE Promotora de Crédito, empresa de telemarketing de Fortaleza, no Ceará, investiu R$ 15 em cada um dos 18 funcionários e viu a produtividade deles aumentar 35%. Segundo o supervisor de call center Alexandre Castro, no início, teve uma certa resistência dos operadores. “Alguns usavam o aparelho em 40% do tempo e a nossa meta era de não utilização em 90%. Em dois meses já chegamos a 97% e, agora, 70% dos operadores já perceberam as melhorias da não dependência do celular”, comemora.
“O aplicativo melhorou meu desempenho também na rotina diária”, conta a operadora Jéssica.
Segundo o supervisor de call center Alexandre Castro, no início, houve uma certa resistência dos operadores. “Alguns usavam o aparelho em 40% do tempo, e a nossa meta era de não utilização em 90%. Em dois meses, já chegamos a 97% e, agora, 70% dos operadores já perceberam as melhorias da não dependência do celular”, comemora.
O consultor de dependência química e assistente social do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (Cefi) em Porto Alegre, Gustavo Lopes, também usa aplicativos de mensagens para acompanhar o tratamento dos dependentes, geralmente jovens na faixa de 16 aos 22 anos. “Criamos um grupo de até quatro pessoas, por onde mantemos uma comunicação diária”, afirma.
Temporada Offline: projeto oferece desintoxicação digital com viagem para contato com a natureza
Um fim de semana sem luz elétrica, imersos em atividades com contato direto com a natureza, em uma praia deserta do litoral brasileiro. O professor de ioga Agustin Aguerreberry e o empresário Michael Smith criaram o projeto Detox Digital para proporcionar a outras pessoas uma experiência livre de tecnologia.
Na praia, que fica próxima à cidade de Paraty, no litoral sul do Rio de Janeiro, os tablets, smartphones e laptops dão lugar às práticas de ioga, stand up paddle e massagem, além dos passeios de barco e trilhas. Por lá, grupos de até 14 membros pagam cerca de R$ 1.600 por pessoa para desfrutarem de três a quatro dias longe de todo tipo de conexão com a internet.
Um dos adeptos foi o ator Marcos Rubio, 41. O espanhol que mora no Brasil há três anos reconhece o quão apegados somos a esses aparelhos. “Sair na rua e não levar o celular é como se estivesse te faltando algo muito importante”, aponta. O ator admite que é bem difícil nos separarmos das tecnologias, pela dependência para trabalhar e nos relacionarmos, mas também tece críticas. “Nos ajuda muito, mas ao mesmo tempo nos tira bons momentos para ficar perto de outras pessoas”, diz.
Após os dias offline, Rubio garante que vem tentando se policiar quanto ao excesso de horas que passa conectado. “Tento colocar um limite, senão você começa a mexer no Whatsapp, Facebook, Twitter e Instagram, e assim pode ficar o dia inteiro, até quando se dá conta de que perdeu coisas importantes da vida olhando para essa maquininha”, pondera.
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