segunda-feira, novembro 16, 2015

Entre conhecimento livre e sociedades controladas

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Ladislau Dowbor sustenta: revolução tecnológica pode permitir compartilhamento inédito das riquezas. Mas sistemas políticos arcaicos são incapazes enfrentar problemas contemporâneos 

Entrevista à IHU On-Line
A civilização tecnocientífica vive uma “revolução na própria forma de revolucionar o conhecimento”, diz o economista Ladislau Dowbor. Segundo ele, a informática é o ponto central dessa transformação. As transformações no sistema de transmissão, estocagem e organização do conhecimento impactam diretamente os meios de produção. Essa revolução possibilitou que o conhecimento seja “retransmitido através da conectividade planetária para qualquer pessoa em qualquer parte do planeta. (…) Criou-se uma comunidade planetária de inovação que é uma coisa radicalmente nova: “hoje qualquer pequeno produtor da África do Sul pode acessar centros científicos de qualquer parte do planeta e ter informação tecnológica sobre como pode melhorar o seu produto.  Mas esta possibilidade irá converter-se necessariamente num mundo melhor? Dowbor tem dúvidas. Para ele, os grandes impasses civilizatórios contemporâneos — entre eles, desigualdade crescente, aquecimento global e esgotamento dos recursos — precisariam ser enfrentados com novas formas de democracia, muitas vezes em plano mundial. Para isso, porém, será preciso vencer sistemas políticos arcaicos e os interesses que se beneficiam deles.  
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne, mestre em Economia Social pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, e doutor em Ciências Econômicas pela Escola Superior de Estatística e Planejamento. Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.
 
Quais são as contradições da civilização tecnocientífica?  Como o senhor avalia o processo de inovação que vem se desenvolvendo no mundo atualmente?
Primeiro temos de dar conta do ritmo das transformações. Não foram inventadas apenas outras técnicas na nanotecnologia, nas áreas da biologia, nas áreas da energia, na Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC, mas, através da dimensão informática, há uma revolução na própria forma de revolucionar o conhecimento. Por exemplo, sem a informática não poderíamos estar analisando bilhões de informações do DNA, sem a informática não poderia ter microscópios eletrônicos permitindo chegar ao nível de análise de átomos individualizados etc.
O ponto central é que o instrumento de revolução do conhecimento, ou seja, todo o sistema de transmissão, estocagem, organização e notação dos conhecimentos, foi transformado. Isso tem uma dimensão de conteúdo de conhecimento dos processos produtivos. Veja que qualquer celular hoje tem 5% do seu valor em trabalho físico e matéria-prima, e 95% do valor é conhecimento incorporado. O conhecimento pode ser retransmitido através da conectividade planetária para qualquer pessoa em qualquer parte do planeta. Então, temos acesso instantâneo a qualquer ideia que esta surgindo na universidade de Tóquio ou na Universidade da Califórnia, por exemplo. Então, criou-se uma comunidade planetária de inovação que é uma coisa radicalmente nova. E isso acelera a produção e a difusão do conhecimento de maneira absolutamente prodigiosa. Nós estamos entrando na economia da informação e na sociedade do conhecimento.
Que modelo de riqueza esse processo de inovação gera? Os processos de inovação podem gerar outro modelo de distribuição de riqueza? Como?
As contradições básicas estão ligadas à própria forma desse fator de produção, que é o conhecimento. Por exemplo, antes o conhecimento estava em um livro. O que se paga quando se compra um livro? Se paga o custo de produção físico daquele papel, distribuição etc. Ao comprar um livro, não estamos pagando pelas ideias que estão nele. Hoje o conhecimento é distribuído online gratuitamente. Posso enviá-lo para quantos amigos quiser, publicá-lo no Twitter etc. Quanto vale o conhecimento? Como é que se vende conhecimento? Hoje ninguém mais precisa do suporte material para disponibilizar o conhecimento, então fica muito mais difícil gerar um sistema de referências de preços para a base dessa economia do conhecimento. O resultado é que há uma imensa ofensiva dos intermediários do conhecimento e da inovação tentando travar o acesso ao conhecimento através de copyrights, de patentes e de royalties que dificultam imensamente o acesso.
Para você ter uma ideia, hoje tem um movimento de cientistas americanos do Science Spring (primavera cientifica), que estão se recusando a publicar em revistas indexadas e isso acaba dificultando o acesso a conteúdos. Fazem como as empresas de disco, ou seja, criam uma imensa ofensiva para criminalizar pessoas que disponibilizam músicas e outros tipos de produção cultural online. Então, a dificuldade é essa: como assegurar a remuneração dos produtores de conhecimento quando não precisamos mais de intermediários?
Que novos indicadores o senhor aponta como necessários para o processo de inovação? Eles podem contribuir para a geração de riqueza?
Podem, e de maneira radical. A Universidade da Califórnia anunciou essa semana que toda a sua produção científica será disponibilizada gratuitamente online. Todas as pesquisas, livros, publicações, gratuitamente.

O MIT, principal centro de pesquisa norte-americano, já entrou nesse sistema com o Open Course Ware – OCW. Estive na China recentemente, e lá eles têm o China Open Resources for Education – CORE, que disponibiliza a produção científica das universidades online gratuitamente. A universidade de Harvard entrou nessa dinâmica também, com a EDX. A Inglaterra pediu ao fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, que programe, em dois anos, um sistema de acesso aberto ao conhecimento científico no país.
Portanto, há uma reação, digamos, dos que produzem conhecimento e dos que utilizam conhecimento no sentindo de destravar os pedágios que os intermediários cobram. Agora, do ponto de vista da democratização, pensamos o seguinte: hoje qualquer pequeno produtor da África do Sul pode acessar centros científicos de qualquer parte do planeta e ter informação tecnológica sobre como pode melhorar o seu produto. Esse acesso planetário ao conhecimento é uma coisa completamente nova. Pense em Angola: quantas pessoas podem comprar livros científicos com o preço que eles têm? E, no entanto, eles podem fazer uma pesquisa temática em um Google, por exemplo, com acesso a tudo que se publicou sobre um tema determinado.
Antigamente, se alguém passasse um relógio para outro, ficaria sem o objeto, o que na economia chamamos de um bem rival. Hoje, ao passar um conhecimento, a pessoa continua com ele, portanto, não é um bem rival. A partir dessa lógica, podemos ir repassando conhecimentos uns para os outros e democratizar radicalmente a sociedade em geral e as atividades econômicas.

Era do conhecimento livre
Por se fixar em dados econômicos, o PIB é um indicador que não contempla adequadamente, principalmente se usado de forma isolada, à complexidade que é aferir a prosperidade de uma nação. Os âmbitos cultural, social e ambiental também implicam na qualidade de vida. Neste sentido, os indicadores de que dispomos hoje dão conta desta complexidade?
As informações já existem; o que muda é a forma de agregá-los. Por exemplo, já faz muito tempo que temos informações sobre saúde, sobre educação e uma série de indicadores ambientais. Mas o que aparece? Apenas o PIB! Ou seja, só a soma das suas ações comerciais. O objetivo na vida não é somar as ações comerciais e achar que isso é o resultado, porque quando se comete, por exemplo, um desastre ambiental no Golfo do México, com vazamento de petróleo, e se tem de gastar imensos recursos para limpar as águas, tampar vazamentos e coisas do gênero, aumenta-se o PIB americano. O PIB não mede resultado, ele mede apenas a intensidade de fluxos de recursos.
Então, o que há de novo é que, ao invés de pegar só o PIB, monta-se um painel em que, para saber se uma sociedade, um país, uma cidade estão indo melhor, avalia-se como está a saúde, a educação, o meio ambiente, a qualidade da água, o tempo que se espera pelo transporte, o nível de criminalidade. Quando passamos para a visão da qualidade de vida, começamos a trabalhar com um conjunto de indicadores sociais, ambientais e econômicos e não mais apenas com a soma dos fluxos comerciais da economia.
A inovação e a sustentabilidade são observadas adequadamente hoje pelos gestores públicos quando da implementação de políticas voltadas à geração de riquezas?
Não, não estão! Temos andorinhas, digamos, que anunciam melhores tempos, mas no geral o avanço das corporações é extremamente frágil. Veja o que fazem as corporações do petróleo, veja a guerra que eles fazem financiando mídias e filmes para dizer que não existe aquecimento global, veja a dificuldade que tem as cidades de fazer saneamento básico e tratamento de esgoto, veja a cidade rica de São Paulo, que contamina o Tiete, o que contamina os municípios a 150 km de distância. Enfim, nós ainda temos uma imensa dificuldade de incorporação.
Entretanto, há eixos extremamente promissores, como o Instituto Ethos, que trabalha com indicadores de responsabilidade social e ambiental. E isso nos traz avanços extremamente significativos. Tem o World Business Countries for Sustainable Development, o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, que estão pressionando as empresas. Há ainda nos EUA o mercado ético dirigido por Hazel Henderson, que faz o seguimento das empresas que estão tentando fazer investimentos mais ambientalmente decentes. Eles têm levantado nos últimos anos, 4,3 trilhões de dólares, que é um montante gigantesco; é mais do dobro do PIB brasileiro em empresas que passam a financiar alternativas energéticas com funções sustentáveis, aqueles prédios e casas que são muito mais econômicos em energia e coisas do gênero. Ou seja, há uma corrente no sentido do desenvolvimento sustentável.
Se os indicadores são conhecidos, que ações devem ser desenvolvidas?
As grandes ameaças nos horizontes estão em um nível em particular do aquecimento global. Não adianta um país resolver, se trata do planeta e nós não temos um governo planetário. Então, se trata, pela primeira vez, de levar um conjunto de países a se pôr de acordo a uma polícia mundial, e isso é extremamente difícil, porque simplesmente nós não temos experiência, costume e capacidade de articulação política para avançar nesse plano. Segundo, diversos núcleos de pesquisa apontam para situações críticas diferentes. Então, tem-se o painel intergovernamental sobre mudança climática que trabalha essencialmente o aquecimento global e, portanto, a mudança da matriz energética e, de outro lado, o Lester Brown, que trabalha em particular sobre a ruptura dos sistemas alimentares. Nós estamos liquidando as reservas e lençóis freáticos de água, intensificando a agricultura, e reduzindo as reservas acumuladas de água, e isso pode levar a uma ruptura do sistema alimentar. Existem diversas áreas científicas que sistematizam os tipos de desafio que enfrentamos, e passam então a elaborar os indicadores para seguir especificamente esses desafios, como é, por exemplo, a pesquisa de elevações da temperatura dos mares, do solo e coisas do gênero.

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