domingo, novembro 15, 2015

Uma geração sem comerciais

Por isso, recentemente ele transformou o site de sua produtora (webseriados.tv) em uma start-up


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“Bob, o Construtor”.Desenho da BBC é um dos sucessos entre os usuários infantis do Netflix
 DANIEL OLIVEIRA o tempo

Há alguns dias, a funcionária pública Ana Paula Assunção, 40, chegou em casa atrasada do trabalho e encontrou o filho Vinícius, 4, chorando. “Ele tinha desconectado o Netflix da TV e não sabia como ligar de novo”, ela ri.
Segundo ela, Vinícius e o seu outro filho, André, 7, não assistem mais à TV, aberta ou paga – apenas desenhos na locadora virtual. A transição foi uma escolha tanto dos pais quanto dos garotos, e partiu de um mesmo motivo: publicidade. “O Vinícius não gosta de propaganda e, na TV a cabo, são cinco minutos de desenho para dez de comercial. Ele fica até bravo”, conta Ana Paula.
A decisão de inserir o serviço on demand na casa, no entanto, foi dela e do marido após um incidente que incomodou os dois. “Um dia, o André veio me falar para eu comprar uma certa marca de sabão em pó porque ela limpa mais branco. Ele viu isso no canal infantil”, desabafa a mãe.
Para fugir desse consumismo, o casal instalou o Netflix nos celulares, tablet e na smartv, diminuindo o volume de programação de TV que assistiam em 80%. O impacto foi grande. “O André, que até três ou quatro anos atrás via muita TV, pedia muito mais coisa: boneco, brinquedo. Não tem mais isso. O Vinícius pede bem menos”, explica.
Com 7 anos, André já sabe navegar no serviço e encontrar o que quer. Com 4, Vinícius não sabe ler, mas já reconhece o ícone do seu perfil na tela. Eles são parte de um futuro educado no on demand, acostumado a ver o que quer, na hora que desejar, sem intervalo.
“Eles não gostam de comercial, assistem confortavelmente no tablet, preferem ele à TV, e veem várias vezes a mesma coisa”, analisa o professor da PUC Sílvio Ferreira Junior, que tem três filhos, de 5, 6 e 7 anos, e pretende pesquisar esse público infantil virtual no doutorado.
Apesar do crescimento do streaming no Brasil, o mercado ainda não se adaptou. A maior parte do bolo publicitário ainda é direcionado à TV. E realizadores como Guto Aeraphe penam para sobreviver do trabalho. “O YouTube paga US$ 1 por mil visualizações, uma mixaria, e é uma burocracia para receber. O Vimeo é melhor, mas ainda muito pouco”, suspira.
Por isso, recentemente ele transformou o site de sua produtora (webseriados.tv) em uma start-up. A página vai passar a disponibilizar diretamente seus trabalhos, e outros que Aeraphe pretende ajudar a desenvolver e produzir, usando um modelo de financiamento coletivo. “Quero buscar um modelo de negócios que viabilize segundas e terceiras temporadas porque a maioria das webséries morre na primeira”, diz.
A ideia do realizador é se apoiar no atual fenômeno das redes sociais para transformar o site numa grande comunidade de conteúdo. “Se você gostou do vídeo, pode me mandar por e-mail, eu posso comprar pelo próprio link e você recebe uma comissão. Todo mundo ganha”, descreve. 
Start-up
Confira as webséries dirigidas por Guto Aeraphe no www.webseriados.tv

Monitoramento e sucesso 

O professor refuta, no entanto, as teorias apocalípticas de que o on demand vai acabar com a cinema ou a TV


Um dos produtores das mais de 3.000 webséries que invadiram a rede desde 2010, Guto Aeraphe afirma que, em termos estéticos, não há diferença hoje entre realizar para internet ou TV e cinema. Mas reconhece ter feito uma revisão dos manuais de roteiro tradicionais para aprender a melhor forma de se comunicar com seu público online. “Trabalho com episódios de cerca de oito minutos e, a cada dois, há uma virada na história ou uma provocação ao personagem para puxar a atenção do espectador”, explica, comparando aos ganchos do intervalo comercial na TV.
Já o professor Sílvio Ferreira Junior acredita que o grande diferencial do conteúdo original on demand é o poder “big brother” que esses serviços de streaming possuem sobre seus usuários. Ele cita um levantamento recente divulgado pelo Netflix, que apontou o episódio em que cada uma de suas séries fisgou o espectador. “Na TV, o Ibope sabe se a TV está ligada, mas não tem como saber se as pessoas estão assistindo, o momento em que mudaram de canal ou que mais gente prestou atenção, nem por quê. No streaming, eles sabem quando o usuário pausou, se assistiu até o fim de uma vez, se viu vários episódios seguidos e quais. Isso é um prato cheio. Imagina se eles pegam esses elementos que viciam e trazem para o episódio piloto?”, reflete.
O professor refuta, no entanto, as teorias apocalípticas de que o on demand vai acabar com a cinema ou a TV. O que ele acredita é numa influência mútua. “Do ponto de vista histórico, uma tecnologia nunca acabou com a outra. Diziam que a TV ia acabar com o cinema, o rádio, e estão todos aí. O que acontece são mudanças profundas em que cada meio encontra outros modos de uso”, argumenta. 

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