terça-feira, maio 03, 2011

Kultura o avesso de uma cena


Espaços para as artes podem virar elefantes brancos

Investimentos em centros culturais colocam em xeque se há público para todos esses lugares
O termômetro de que uma cidade dispõe para medir os investimentos na cultura nem sempre é facilmente identificado. Em Belo Horizonte, hoje, numa primeira investigação, a melhor medida parece ser o número de centros culturais que pipocam pela cidade. Há uma leva de espaços surgindo em obras a pleno vapor – com promessa de inauguração no próximo ano.


Essa onda levanta, contudo, uma interrogação sobre a ocupação desses centros culturais. Se há público para todos esses lugares e se haverá uma programação permanente de qualidade: são as primeiras perguntas inevitáveis para gestores e artistas.
Críticos lamentam a falta de uma política pública cultural eficiente para a cidade. Argumentam que somente abrir espaços contribui nada ou muito pouco para mudar o quadro. Mas os entusiastas desses investimentos defendem que um público adicional pode ser formado a partir do funcionamento dos novos centros. Seria apenas questão de se criar o hábito.
Fato é que, para quem circula em Belo Horizonte, o importante é saber se o acesso aos novos espaços culturais será democrático e o repertório de atrações, interessante.
“Cultura está na moda”, ironiza a professora Regina Helena Alves da Silva, coordenadora do Centro de Convergência de Novas Mídias da UFMG e que presidiu o Centro Cultural da Universidade. “Todo mundo quer abrir um centro cultural, tem um monte deles. Mas a verdade é que há pouca discussão sobre o que realmente se quer para cidade”, analisa ela. “Os espaços físicos são todos iguais, têm as mesmas coisas: um café, sala de cinema, sala multiuso. A gente vai enjoar de tanto tomar cafezinho”.
Regina Helena afirma que esses espaços não fazem sentido. “Não conversam com a cidade, querem ter uma imagem igual à de todos os outros”. “Além disso, não há, efetivamente, formação do artista, do público. Os espaços acabam ficando ociosos. Os gestores começam a trazer coisas de fora – que não têm relação com a cidade”, critica ela, que destaca os centros culturais que funcionam na periferia da cidade como boa maneira de difusão que tem a ver com a comunidade. “Falta um monte de coisa (nos centros culturais de periferia), mas tem uma relação com o lugar”, defende Regina. “Só que quando olhamos com nosso olhar de homogeneidade, com o olhar de fora, achamos que não é um lugar adequado, mas, para aquelas pessoas, pelo menos, faz sentido”.
Presidente da Casa Fiat, José Eduardo de Lima Pereira discorda das críticas de que não há público para a quantidade de centros em Belo Horizonte. “Temos um público, sim, e isso é uma visão negativa que nada acrescenta”, afirma ele. “Há cinco anos, quando abrimos a Casa Fiat, muita gente duvidava de que a iniciativa daria certo”.
O espaço, mantido pelo Grupo Fiat, funciona no Belvedere, mas vai se mudar para o Circuito da Praça da Liberdade, no prédio do Palácio dos Despachos – por consequência da iniciativa do governo estadual de transformar os prédios históricos do entorno da Praça em complexo de cultura.
“Quando existe uma programação de qualidade, as pessoas comparecem”, garante Pereira. “Prova disso são nossas duas maiores exposições, ‘O Mundo Mágico de Marc Chagall’ (de 4 de agosto a 4 de outubro de 2009) e ‘Rodin, do Ateliê ao Museu’ (de 13 de agosto a 13 de outubro de 2009)”. As mostras registram público de 120 mil pessoas, recorde na cidade.
“O que dificulta não é o lugar. É o acesso a ele. E claro, com a mudança para a Praça, vamos receber mais pessoas ainda”.
A mudança está em fase inicial, a previsão é que a Casa Fiat fique pronta em 2014. Mas, apesar de adequações que devem ser feitas em função do número maior e mais diversificado de público, o presidente adianta que as grandes exposições seguem sendo a tônica do espaço.
Secretária de Estado da Cultura, Eliane Parreiras também defende que um maior número de centros é oportunidade para formar plateias. “Acredito que existe um público, fazemos um investimento na produção local. Temos uma programação para que as pessoas se apropriem dos espaços”, registra a Secretária. “E o Estado tenta fazer também um trabalho nos outros equipamentos culturais, com programas de ações educativas”, completa Eliane Parreiras.
Ela e a presidente da Fundação Municipal de Cultura, Thaís Pimentel, integram fórum permanente com participação da Fundação Clóvis Salgado, do Sesc, do espaço CentoeQuatro, do Iphan, da Funarte e do Minas Tênis Clube, que terá o seu próprio espaço cultural. “Há dois anos conversamos, preocupados com a questão da ocupação dos assentos na cidade. Esses espaços serão um desafio para a cidade”, reconhece Thaís Pimentel.
Embora a política cultural do Estado e da Prefeitura seja alvo de muitas críticas de artistas, alguns deles, caso do ator Gustavo Bones, do Movimento Nova Cena, veem sinais de melhora no diálogo entre setor público e realizadores. Bones reclama por uma definição clara de política de ocupação dos espaços. “É um problema de gestão”, critica ele. “Somos a favor desses espaços, mas também queremos saber como ficam os que existem, como, por exemplo, o Teatro Francisco Nunes”.
Fechado desde 4 abril de 2009, o ‘Chico Nunes’ começaria a ser reformado no último 19, de acordo com a Fundação Municipal de Cultura, que não tem previsão de prazo à reabertura do teatro localizado no Parque Municipal.
Sensibilidade será vital para os novos espaços
A iniciativa de grupos como o Movimento Nova Cena, de buscar um diálogo com os governos sobre a política cultural esbarra, na opinião da professora Regina Helena, da UFMG, na falta de maturidade para o debate desses interlocutores do meio artístico. Ela lembra, por exemplo, o movimento Praia da Estação, dos que protestam eventualmente na Praça Rui Barbosa, conhecida como Praça da Estação, contra a proibição, pela Prefeitura, de programas culturais no local.
“Na verdade, essas pessoas só olham para o próprio umbigo”, alfineta. “Acompanhei a audiência pública que discutiu, entre outras coisas, diretrizes da atual administração para a cultura e esses meninos não sabem nem a diferença entre uma secretaria e uma fundação”, dispara Regina Helena.
“Não existem técnicos para isso, não há interesse em uma formação nas universidades, por exemplo”, afirma a professora.
A atriz, diretora e dramaturga Grace Passô, colega de Gustavo Bones no grupo teatral Espanca!, que coleciona prêmios e temporadas de casa cheia, engrossa o coro dos que pretendem uma definição mais clara de política cultural.
Na opinião de Grace, são poucos os espaços culturais que conseguem manter uma programação e curadoria durante todo o ano da forma como desejam ou planejam. “A dificuldade na captação de recursos traz uma instabilidade tremenda nessas programações e nós vamos nos acostumando a ver espaços, sedes que se fecham, que prorrogam editais ou coisas do tipo”.
Com projeto aprovado no programa de manutenção da Petrobras, o Espanca! inaugura a sede própria nesta quinta-feira, dia 28. A trupe escolheu a região central para se instalar e cobrará R$ 2 pelo ingresso.
“Queríamos estar onde as pessoas trabalham e circulam. Queremos popularizar o teatro contemporâneo”, justifica Gustavo Bones.
“A gente depende muito da mídia espontânea, ou seja, do boca a boca”, reconhece Inês Rabelo, coordenadora do espaço CentoeQuatro, uma das iniciativas mais bem sucedidas de difusão de cultura, também instalada no Centro, ao lado da Praça da Estação.
Aberto há dois anos, o CentroeQuatro ganhou visibilidade graças à programação diversificada. O idealizador, João Guimarães, diz que mais que um “centro cultural”, um termo que considera muito desgastado, o CentoeQuatro pretende ser um espaço formador. “Ainda não consegui concretizar, mas a ideia é essa”, afirma ele.
“Temos certeza de que BH tem potencial”
Um dos principais projetos do CentoeQuatro é a Escola de Audiovisual, um curso de dois anos, gratuito, direcionada para estudantes de escolas públicas e que deve funcionar a partir de 2012.
Atualmente, o espaço cultural promove exposições, festivais e a Gafieira 104, aos sábados, com a Orquestra Senta a Puá e DJ.
“É o que vem demonstrando melhor a integração do lugar com as pessoas que circulam pelo hipercentro. Vem gente de todo o lugar. Quem tinha entrado aqui, vem”, garante a coordenadora Inês Rabelo.
João Guimarães diz não se importar com a crítica da professora Regina Alves da Silva em relação à mesmice dos centros culturais.
“(Os idealizadores do CentroeQuatro) Não queremos mesmo ser diferentes. Queremos, sim, ser um lugar de formação”, justifica João Guimarães.
Atrair o público do Centro da capital também é um dos objetivos do Sesc Palladium, um prédio de 8 andares, com área construída de 11 mil metros quadrados que abrigou o extinto Cine Palladium _ um dos melhores cinemas belo-horizontinos em sua época – e está sendo reformado a um custo R$ 90 milhões, com inauguração prevista para junho.
Seguindo o exemplo do Sesc de São Paulo, o objetivo do Palladium é garantir uma boa programação com ingressos a preços populares.
Mas o espaço de Belo Horizonte tem um foco específico: difundir a produção local, sem desprezar o intercâmbio com o Sesc paulistano, conta Penido.
Ele registra que o Sesc fez uma pesquisa nacional para avaliar a demanda de público para novos espaços culturais antes de iniciar a obra do Palladium.
Penido conta que foram avaliadas diversas capitais, observando porte da cidade, oferta cultural existente, potencial mercadológico e outras variáveis.
“Por essa razão, temos certeza de que Belo Horizonte tem, sim, potencial para receber um novo centro cultural como o Palladium.
É a mesma aposta do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que realiza obras no prédio da antiga sede da Polícia Civil, na Praça da Liberdade. “Belo Horizonte é uma cidade que apresenta forte crescimento econômico e populacional”, confirma Giselle Frattini Vieira, gerente executiva da Diretoria de Marketing e Comunicação do CCBB.

A secretária de Estado da Cultura, Eliane Parreiras, exalta a obra. “Será o maior CCBB do Brasil”, afirma ela. 
Porém, a Secretária informou que a sala de cinema, um dos pontos fortes da programação dos outros CCBBs (Rio de janeiro, São Paulo e Brasília) será implantada apenas numa segunda etapa, conforme informa Eliane Parreiras.
Uma particularidade do CCBB de Belo Horizonte será a destinação do pátio interno original do edifício histórico para manifestações culturais. A inauguração está prevista para o próximo ano.




Sandra Nascimento - Repórter Especial - 25/04/2011 - 08:57
CentoeQuatro: termômetro de público nohipercentro da capital
INÊS RABELO
Novos palcos: sede do grupo de teatro Espanca

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