terça-feira, maio 03, 2011

Museu que serve de vitrine


IAN JOHNSON
The new york Times
CHINA. No Museu Nacional da China, cuidadosamente reformado, situado na praça Tiananmen, os visitantes interessados na história recente da potência que tem o crescimento mais rápido do mundo podem ver o chapéu de cowboy que Deng Xiaoping usou quando visitou os Estados Unidos, ou admirar o megafone que o presidente Hu Jintao utilizou para estimular as pessoas a superarem o sofrimento após o terremoto de Sichuan, em 2008.
Mas, se os interesses dos visitantes passam pela Revolução Cultural, que destruiu o país de 1966 a 1976 e resultou em milhões de mortes, eles terão que procurar em um canto no fundo do museu por uma única fotografia e um texto com três linhas, as únicas referências daquela época.
A China gastou mais de uma década e aproximadamente US$ 400 milhões para transformar o Museu Nacional na principal vitrine da história e da cultura, um monumento ao seu crescente poder não menos grandioso - ele foi projetado para ser o maior museu do mundo - e mais duradouro do que os Jogos Olímpicos que ela recepcionou em 2008.
Mas uma tradição manteve-se firme no lugar: a China não irá confrontar sua própria história. O museu é o símbolo mais proeminente dos esforços do Partido Comunista em controlar a narrativa da história e reprimir os pontos de vista alternativos, inclusive os que existem dentro da elite governante, do que o produto de uma pesquisa extensa, de uma descoberta ou da criatividade. Ele é também um exemplo de como a China acha difícil criar instituições culturais que se igualem às suas conquistas econômicas.
Entrevistas com participantes descrevem uma reconstrução torturada que se arrastou por muito mais anos do que se previa, com revisão constante de planos para acomodar as inúmeras revoltas políticas; muitas dessas revisões foram decididas pessoalmente pelos principais líderes do partido.
As autoridades rejeitaram a proposta de uma exibição histórica permanente que discutisse os desastres do início do governo comunista - especialmente O Grande Salto, uma campanha política que resultou na fome que matou mais de 20 milhões de pessoas. Alguns dos organizadores também queriam uma avaliação sincera da Revolução Cultural, um ataque de uma década sobre a cultura tradicional e o aprendizado, mas esse esforço foi reprimido.
Em vez disso, as autoridades decidiram que a exposição sobre a China contemporânea deveria focar, como fazia o museu antes de sua ampla reforma, nos triunfos do partido.
Outra exposição permanente, sobre a história da China antiga, também apresenta uma versão idealizada do passado. Ela conta a história edificante dos grupos étnicos chineses se reunindo para criarem "brilhantes realizações".
"O partido é quem determina a verdade histórica", disse Yang Jisheng, um historiador cujo livro de referência sobre a fome no Grande Salto foi banido na China. "Ele teme que se as versões concorrentes forem permitidas, sua legitimidade seja questionada".
Modelos. Muitos países não apresentam sua história nos termos que os historiadores independentes consideram totalmente verossímil. Os museus norte-americanos têm sido pressionados para explicarem a escravidão de forma mais completa. Os índios norte-americanos venceram uma longa batalha para que pudessem abrir seu próprio museu em Washington; outros museus comemoram a expansão no oeste dos Estados Unidos, mas fazem uma abordagem sucinta sobre o desalojamento e a matança dos índios norte-americanos.
Mesmo assim, poucos países podem competir com a China no que tange à completa repressão de seu passado obscuro. Um dos resultados é que o público chinês raramente tem acesso, mesmo pela internet, às versões da história que diferem da propaganda do partido, e o apoio popular a algumas causas nacionalistas é, às vezes, até mais forte que as posições do próprio partido. Muitos chineses estão completamente confusos, por exemplo, se alguns tibetanos ou uigures estão insatisfeitos com o governo chinês ou se os japoneses e os taiwaneses possam ter visões diferentes sobre a reivindicação da China por seu território.
Isso significa que o Museu Nacional, que teve concedido o acesso ilimitado aos tesouros e relíquias da longa história da China, não conseguiu escapar das restrições políticas que têm dificultado o estudo da história chinesa há séculos. Naquela época, assim como agora, os governantes usaram a história para moldar o presente, uma fórmula recorrente que marcou quase todas as épocas.
"Um museu público na China raramente é sobre o passado", disse Hung Chang-tai, um professor da Universidade de Ciência e tecnologia de Hong Kong que escreveu sobre o museu. "Ele trata da imagem atual do partido e como ele quer ser visto".
Traduzido por Ana Paula Siqueira

MUSEU DA CHINA
Espaço foi fechado e aberto de acordo com circunstâncias
Ian Johnson
The New York Times
PEQUIM, CHINA. O museu foi inaugurado formalmente em 1961 e fechado no início da Revolução Cultural em 1966. Reabriu em 1979 e, em seguida, passou por uma série de fechamentos e aberturas conforme os líderes lutavam por uma interpretação do passado que eles pudessem aceitar. A exposição da história contemporânea fechou permanentemente em 2001, já que as autoridades começaram a ver o museu como um anacronismo que não promovia uma imagem moderna para o mundo exterior.
Naquele ano, Pequim ganhou a concorrência para sediar as Olimpíadas de 2008 e as autoridades ficaram preocupadas se a capital nacional seria um anfitriã digna. Um ano antes, um instituto de pesquisa britânico classificou Pequim como uma cidade de terceiro escalão equiparada a Varsóvia e Bangkok. O relatório foi amplamente discutido na China, com autoridades percebendo que Pequim não tinha museus e galerias dignos de atenção.
O que Pequim precisava, decidiram as autoridades, era de um museu de nível mundial para as Olimpíadas. No passado, o local na praça Tiananmen abrigava duas instituições: o Museu da História Chinesa e o Museu da Revolução Chinesa. Em 2003, os dois museus foram agrupados e receberam o nome de Museu Nacional da China, extirpando a nomenclatura que soava comunista. A mudança de nome também permitiu mostras que não tocassem diretamente na história chinesa, embora a história fosse para permanecer o seu foco.
As autoridades criaram uma competição arquitetônica internacional, vencida pela grande empresa alemã Gerkan, Marg and Partner. Os alemães pediram um enorme átrio, no qual a história chinesa pudesse ser exibida contemplando lugares importantes do passado e do presente do país. A construção começou em 2005.
Mas os altos funcionários rejeitaram o plano, desencadeando em anos de reuniões e redesenho, de acordo com um funcionário do Ministério da Cultura, que pediu para não ser identificado por causa da delicadeza do assunto. O gabinete da China, o Conselho de Estado, entrou no debate dizendo que o novo telhado arqueado destruiria o desenho original do prédio. Outros críticos disseram que o átrio era grandioso demais, enquanto que o novo diretor, também um arquiteto, queria mais espaço, de acordo com os participantes das reuniões. A data da inauguração foi adiada para 1º de outubro de 2009, dia do 60º aniversário do governo comunista.
o maior. No fim, eles mantiveram o hall de entrada 243 metros de comprimento 30 metros de altura unindo as duas alas antigas. Mas a maioria da área aberta original não foi preenchida com um novo prédio gigante. Um dos objetivos primários era fazer do local o maior museu do mundo.
"Eu recebi uma ligação perguntando quantos metros tinha o Louvre", relembra Martin Roth, diretor dos museus do estado de Desdren e um consultor informal do museu por uma década. "Então, dez minutos depois veio outra ligação perguntando quantos metros tinha o museu britânico. Eu disse, vocês estão reunidos com os arquitetos e tentando descobrir como ser o maior, certo? Eles riram e disseram que sim".
Traduzido por Ana Paula Siqueira


Jornal OTEMPO em 13/04/2011

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