quarta-feira, maio 04, 2011

Mecenato no século XXI


Com pequenas colaborações de muita gente, via internet, projetos saem do papel

PRISCILA BRITO   Publicado no Pampulha em 26/03/2011
Inspirado pelo próprio lema, "sem patrocínio e sem vergonha na cara", o grupo de teatro independente Primeira Campainha decidiu fazer uma campanha para arrecadar pelo menos um terço dos R$9.000 necessários para bancar a participação na mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba, que não paga cachê aos artistas. Toda a mobilização foi feita pela internet, em blogs e vídeos. Deram até nome à iniciativa, "Leve 8", referência ao número de integrantes que viajará para a capital paranaense, e também trocadilho com o festival beneficente Live 8, de 2005.
"Fomos buscar nos amigos e em quem é simpático ao nosso trabalho as contribuições. É uma forma de despertar nas pessoas a vontade de ser um investidor cultural", afirma Mariana Blanco, atriz do grupo.
O grupo de teatro de BH não está sozinho. Gradativamente, pessoas com um projeto em baixo do braço recorrem à mobilização via internet para angariar os recursos que ajudarão a concretizar a ideia. A prática tem nome: crowdfunding, ou financiamento coletivo, em português. Consiste em atrair grande número de doações em valores pequenos para projetos que teriam dificuldades de serem financiados por investidores tradicionais.
Não chega a ser uma novidade (veja quadro na galeria de fotos). O mesmo princípio funciona, há anos, para as modestas vaquinhas entre amigos, como para campanhas de cifras milionárias, como o Criança Esperança. A diferença é o uso da internet. "A web facilita por causa do pagamento, que é rápido, e ajuda também na divulgação, porque ela transmite as coisas pra muita gente em pouco tempo. A escala em que a coisa acontece é maior", observa Diego Reeberg, co-fundador do site Catarse, plataforma de crowdfunding. É em sites como esse, no Brasil e no exterior, que a prática vem ganhando força.
No país, já são mais de dez sites voltados para esse fim, a maioria lançada este ano. O funcionamento de todos é semelhante: depois de passar por uma espécie de curadoria, que avalia a adequação da proposta ao perfil do site e a pertinência do orçamento, o projeto entra no ar. Dentro de um período determinado, ocorre a campanha para captação do dinheiro. Caso a meta não seja atingida, quem contribuiu pode optar por receber o dinheiro de volta ou transferir o valor para outro projeto.
Se todo o valor é arrecadado, quem ajudou recebe uma recompensa, que varia conforme o valor doado. Colaborar com o orçamento de um filme, por exemplo, pode render o nome nos créditos do filme, ingresso para pré-estreia ou viagem para acompanhar a exibição do longa em festivais nacionais e internacionais. "A gente faz algo entre o comércio e o mecenato", compara Diego.
Projetos culturais são maioria, mas há espaço para propostas jornalísticas, games educativos e projetos sociais, que já têm plataforma exclusiva no país, o site Senso Incomum. "Um dos objetivos é ser um canal para captar recursos para organizações. As pessoas gostam de ajudar, mas ainda não sabem direito como pedir", afirma Edu Sangion, co-fundador do site.



FOTO: ARQUIVO PESSOAL
Natália Garcia conseguiu R$25 mil para seu projeto jornalístico
Galeria de fotos


Enquanto as plataformas daqui estão nos seus primeiros meses, nos Estados Unidos há sites "veteranos", como o Kickstarter, no ar desde 2009 e referência desse modelo de financiamento. No ano passado, por intermédio dele, cerca de quatro mil projetos foram financiados com US$27 milhões em colaborações. Lá fora, a segmentação dos sites também é mais comum. Exemplos são o DonorsChoose, para compra de material para escolas públicas, e o SciFlies, para contribuição com pesquisas científicas.
Diego, que espera que o Catarse ajude a captar ao menos R$1 milhão até o fim deste ano (por enquanto foram R$80 mil), considera que ainda é preciso tempo para que o país absorva a cultura do financiamento coletivo, mas aposta que ainda este ano a prática ganhe força. "As pessoas têm que entender que não é só doação, elas ganham algo em troca. Elas também se preocupam com o destino da doação, mas, à medida que os projetos forem bem sucedidos, vão aceitar o crowdfunding".


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