sábado, outubro 31, 2015

Pelo amplo acesso à poesia

Aroldo Pereira - Poeta, ator e compositor


Idealizador do Salão Nacional de Poesia Psiu Poético, que acontece há quase três décadas em Montes Claros, ele comenta sobre a trajetória do evento que é um dos principais do país dedicados à circulação da poesia. Na entrevista, ele também relata o uso de estratégias, como as campanhas de financiamento coletivo, para manter o projeto em funcionamento.


A 29ª edição do Psiu Poético está prevista para acontecer entre 4 e 12 de outubro. Embora já exista uma programação definida, por que houve a necessidade de uma campanha de financiamento coletivo para cobrir as despesas deste ano?Nós estamos com um nó bastante apertado em relação ao apoio à cultura. Essa é uma questão que envolve desde o município à esfera da federação. Neste ano, nós conseguimos aprovar o projeto num edital do Ministério da Cultura (Minc), mas por erro técnico deles, o projeto acabou sendo arquivo. Até hoje não conseguiram nos dar uma explicação lógica para o que aconteceu. No âmbito da lei estadual, também não conseguimos captar recursos. Então, por causa dessas dificuldades, nós resolvemos criar uma campanha para buscar parcerias das pessoas que usufruem, curtem, conhecem e têm interesse num projeto com uma amplitude cultura e social também. 
A campanha em vigor no site do evento visa garantir a continuidade do projeto até o ano que vem?
O Psiu Poético sempre recebeu recursos da prefeitura, mas desta vez o apoio está atrasado, porque ele aguarda a aprovação do orçamento pela Câmara de Vereadores. Por isso, colocamos na campanha R$ 29 mil e até agora nós conseguimos apenas 16%. São várias as despesas, como as passagens dos convidados, hospedagem e alimentação. Nós, inclusive, não estamos dando cachê profissional, porque desta vez não há a mínima condição, mas o evento vai acontecer. Nós estamos fazendo uma parceria com a Universidade de Montes Claros, o que deu origem ao 7º Seminário de Literatura e de Criação Literária. Nós esperamos receber pessoas do Brasil inteiro, de São Luís do Maranhão, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, por exemplo. Dessa forma, colocamos a poesia como o centro de referência, algo que sempre fizemos, a partir de uma estrutura mínima. Para custear isso, nós contamos com a contribuição das doações que poderão chegar por meio dessa campanha. O que recebermos será para pagar as despesas do evento depois.
Há alguma abordagem temática específica neste ano? Você nota também um aprofundamento na relação da poesia com outras linguagens?
Neste ano nós temos uma programação diversificada, com curtas-metragens, performances, além de lançamento de livros. Esses curtas surgiram a partir de uma oficina que o próprio Psiu Poético realizou em 2014. O evento abre, assim, um leque de possibilidades para abordar a arte contemporânea. Ou seja, a linguagem escrita dialoga o tempo todo com outras poéticas. Desta vez nós vamos homenagear seis poetas, Patrícia Giseli, que é de Montes Claros, Ana Elisa Ribeiro, de Belo Horizonte – que vai lançar o livro “Xadrez” –, Auirí Tiago, autor de quatro livros e que é também de Montes Claros, além de Eduardo Lacerda, que é editor e poeta, e Ricardo Silvestrin, que faz parte do grupo poETs e vem do Rio Grande do Sul. Mas além desses, vamos receber muitas outras pessoas, como Celso Borges, que vem de São Luís do Maranhão, e dialoga muito com a música. Ele já fez parceria com Chico César, Zeca Baleiro, e desenvolve um trabalho ligado à performance, à poesia e à experimentação sonora. O Psiu Poético, nesse sentido, abarca muito esse viés da experimentação de linguagens, desde vertentes mais tracionais às mais populares, como o cordel. Nós vamos ter, por exemplo, o poeta de Montes Claros Carlos Azevedo, falando sobre essa vertente, junto com o baiano Olliver Brasil, que é autor de uma antologia de poesia de cordel batizada “Couro Cru”.
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“Se algo dessa dimensão acabar por falta de recursos, é lamentável, porque esse é um bem imaterial que não tem preço.

Como o Psiu Poético vem abrindo espaço para a circulação de novos autores? 

Nesta, como em outras edições, nós temos jovens poetas que vão lançar seus primeiros trabalhos. É o caso de Edson Davi Ruas de Araújo, que é um garoto de 15 anos, de Francisco Sá. Ele vai lançar “Coragem para Vencer”. Ou seja, há poetas mais reconhecidos, como Wagner Rocha, doutor em filosofia e literatura, lançando o livro “Crepúsculo de Arame”, junto com outros nomes estreantes. Esse é um feito do Psiu. Nós trabalhamos com a ideia de uma poesia circular, motivando jovens estudantes. Uma das iniciativas nossas é promover visitas em escolas, o que pode estimular a sensibilidade dos alunos para a poesia. Eu considero isso a espinha dorsal do projeto, porque isso tem revelado autores incríveis nestes 20 anos de trajetória. Nós já conseguimos levar para a sala de aula Arnaldo Antunes, Tiago de Melo, Makely Ka, Alice Ruiz e Adão Ventura.
Que impacto ele já conseguiu produzir em Montes Claros e na região entorno?
A região do Norte de Minas Gerais é bastante ampla e o evento se tornou uma referência enorme. Nós recebemos caravanas que saem de Pirapora, São Francisco, Bocaiuva e também de outros Estados, como Espírito Santo e São Paulo. O que acho muito interessante é notar que o Psiu Poético tem um papel importante de facilitar o acesso à cultura e não se restringe apenas ao espaço acadêmico. Ele vai para rua, acontece na praça, onde um artista propõe uma intervenção urbana, no Mercado Central, no hall da rodoviária. Ele abarca também os bairros da região periférica da cidade de forma plena.
Como você também é escritor, pretende lançar alguma obra nova evento?
Eu tenho desenvolvido um trabalho que vou apresentar no evento, no dia 10, que é o “Poetrikza”, que será o lançamento de uma publicação alternativa e a realização de uma performance poética. Esse é um trabalho que venho fazendo há três anos com Samuel Pereira, meu filho, que é músico e artista plástico. Nós já apresentamos esse projeto algumas vezes em Belo Horizonte e já o levamos também ao Rio de Janeiro e a São Paulo. Atualmente, estou desenvolvendo o projeto de “Parangosário”, um livro de poesias que vai dialogar com a obra de Arthur Bispo do Rosário e deverá sair no ano que vem. Em sequência, vai vir o “Parangolares”, que pretende se comunicar com as criações do artista plástico Raimundo Colares.
Em 2016, o Psiu Poético completará 30 anos. Vocês programam alguma comemoração que inclui Belo Horizonte?

Nós já estivemos outras vezes em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e até em São Paulo, quando comemoramos 25 anos, por exemplo. Por enquanto, não estamos pensando em repetir isso porque as dificuldades de recursos estão maiores. Mas é interessante pensar que o Psiu Poético inspirou outras iniciativas semelhantes aí, como o próprio Belô Poético, que existiu por dez anos. Em Conselheiro Lafaiete também acontece, há 14 anos, o Abriu Poético, inspirado no nosso programa.
Que falta pode fazer, ao seu ver, a não continuidade do Psiu Poético?
O Psiu Poético faz parte de um movimento que acontece há mais de 30 anos, ele nasce de uma inquietação capaz de nos desenvolver como humanos. Se algo dessa dimensão acabar por falta de recursos, é lamentável, porque esse é um bem imaterial que não tem preço e que produz um vasto volume de conhecimento.

O Tempo

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